Por George Castro, especial para o AMAZONAS ATUAL
Há alguns anos, exatamente três, faço o Enem como forma de me apropriar de uma parte do universo que cerca este exame: os dias de prova. A motivação inicial foi ter um olhar mais real desse momento e assim poder orientar melhor meus alunos. Na época que resolvi investir nessa experiência, ocupava o cargo de diretor de um cursinho em que inclusive era sócio, e percebi que isso me ajudou muito no ano seguinte, pois passei a falar com bem mais propriedade sobre isso com os alunos.
Desde a minha primeira participação resolvi adotar uma postura de candidato a alguma vaga, sendo assim, não apenas compareço ao local de prova, mas a faço com vontade, lendo todos os itens (questões) com a atenção de quem vai realmente usar aquela nota para concorrer a alguma coisa.
Este ano combinei com nosso editor do AMAZONAS ATUAL que faríamos um diário de bordo, ou seja, que eu iria registrar tudo que aconteceu nos dois dias de prova e, principalmente, que iria fazer um relato disso a cada dia. O objetivo de nossa ideia é descrever para pais, professores, diretores, coordenadores e para a sociedade em geral, como é esta prova tão falada nos meios de comunicação. Desta forma, mergulhamos no processo relatando minucias que por vezes serão até engraçadas e já em outras causarão algum espanto e preocupação.
Feitas as considerações iniciais convido você leitor a mergulhar nesta narrativa tendo a certeza que ao final dela conhecerá bem mais sobre o Enem, passando a observar aspectos que antes passariam despercebidos, podendo, quem sabe, até usar este conhecimento para orientar um filho, sobrinho, amigo ou um vizinho que se disponha a participar deste exame ano que vem. Afinal, em um processo que envolve quase oito milhões de pessoas em todo o Brasil, difícil é não conhecer alguém que participe dele.
Da chegada ao início da prova
Cheguei ao local de prova cerca de meia hora antes do fechamento dos portões, a fila na porta da escola para poder entrar me deixou de início preocupado, mas ela até que seguiu rápido. A orientação para poder passar pelo portão era ter à mão o cartão de confirmação e o documento de identificação.
Já no interior da escola fui atrás da minha sala, descobri que elas são determinadas por um código que consta no cartão de confirmação. Neste momento é que se entende o porquê de ser necessário o candidato imprimir este cartão, pois mesmo sabendo o local de prova ele demoraria muito para achar sua sala sem o código que a determina. Nos anos anteriores não havia essa preocupação, uma vez que o Inep enviava esse cartão pelos correios com pelo menos uma semana de antecedência.
Já na porta da sala é feita uma primeira checagem na identidade e no cartão, verifica-se então se o nome do participante está realmente na lista daquela sala. Neste momento você é interrogado se está com celular, relógio ou outo artigo eletrônico. Caso esteja, a orientação é desligá-los e colocá-los dentro de um saquinho com lacre, completamente opaco (que não permite ver nada no interior), fornecido pela coordenação do exame.
A partir daí você tem finalmente acesso ao local de prova. Lá dentro me deparei com uma sala cheia, no mínimo 40 alunos já estavam presentes quando entrei. A lotação faz todo o sentido uma vez que recentemente o MEC anunciou uma nova métrica de “enturmação”, passando de 36 alunos por turma para 40, com a justificativa de redução nos custos do exame. A proximidade entre as carteiras possibilitaria a alguém colar tranquilamente olhando para a prova do outro. Contudo, a presença de três fiscais na sala inibia muito esta possibilidade.
Logo que entrei um dos três fiscais de sala, que estava sentado à mesa, pediu novamente meu cartão e minha identidade. Após a nova checagem recebi o cartão-resposta e juntamente com ele a orientação de que o assinasse e preenchesse os demais dados que ele pedia.
O cartão-resposta do Enem difere-se daqueles usados em muitos concursos, é do tamanho de uma folha A-4. A primeira metade dele é destinado a identificação do aluno e da prova. A identificação do aluno é feita preenchendo-se: o nome em letra de forma, a assinatura e a data de nascimento; já a identificação da prova é feita assinalando em um campo específico qual a cor da prova que você recebeu, sendo quatro opções possíveis para cada dia. Por fim é necessário que você transcreva para o cartão, em letra cursiva, uma frase que vem escrita na capa da prova, no meu caso a frase era: “Todos somos pura flor de vento”.
As 13h (horário de Brasília) um dos fiscais anunciou que os portões já haviam sido fechados e a partir daquele momento nenhum aluno adentraria mais no prédio, se alguém chegasse na sala após aquele momento é porque já havia passado pelo portão e, sendo assim, ele poderia entrar na sala. Das 13h até cerca de 13:20, um dos fiscais iniciou uma “revista” carteira por carteira, perguntava novamente a cada participante se os celulares estavam desligados e dentro dos saquinhos destinados para isso, olhava dentro de bolsas e mochilas e pedia para que água e lanches fossem deixados exatamente embaixo das carteiras.
Vale lembrar que este ano o Enem implantou a medida de manter os alunos durante meia-hora dentro das salas aguardando pelo início das provas, foi neste interim, de 13h às 13h30 que este procedimento de revista se deu, algo novo que eu particularmente não havia presenciado nas edições anteriores.
Chamou a atenção o desespero de dois participantes que na hora da revista lembraram que guardaram os celulares dentro dos saquinhos, só que ligados. O desespero se deu quando o fiscal anunciou que caso o celular de alguém tocasse após o início da prova a pessoa estaria automaticamente desclassificada. Um terceiro participante também entrou no grupo do desespero após lembrar que guardou o relógio juntamente com o celular desligado, mas que o relógio estava com o alarme programado para despertar durante a prova, segundo o mesmo fiscal isso também o desclassificaria.
Antes das 13h30 todos haviam conseguido resolver seus problemas, novos saquinhos foram dados e os equipamentos foram devidamente desligados, guardados e lacrados. Eu, assim como instruo meus alunos, não levo nada eletrônico, só água e chocolate, e pelo que pude comprovar é a melhor coisa para se evitar transtornos de última hora ou quem sabe até uma possível desclassificação.
As 13h25 as provas chegaram na sala, em pacotes lacrados. Dois alunos foram chamados para conferir se os pacotes estavam mesmo inviolados, me ofereci para ser um desses e assim o fiz. Envelopes checados, chegou então o momento da distribuição dos cadernos de prova, a orientação era receber e não abrir, apenas transcrever para o cartão a frase e assinalar nele a cor da prova.
A última orientação dada pelos fiscais foi de que, mesmo sem relógios e celulares, poderíamos ter a noção do tempo olhando para um marcador fornecido pelo INEP. Na verdade, este marcador era um cartaz colado na parede, nele haviam vários adesivos dispostos verticalmente, cada um com um valor de tempo: 4:30, 4:00, 3:30, 3:00, 2:30, 2:00, 1:30, 1:00, 0:45, 0:30, 0:15.
A medida que o tempo passava os adesivos eram retirados para nos dar noção da evolução da prova, assim decorrida a primeira meia-hora o adesivo 4:30 foi retirado indicando que só restavam agora quatro horas de prova, assim o procedimento foi se repetindo a cada meia-hora. Na última hora os adesivos já marcavam intervalos de tempo de quinze minutos, um recurso utilizado para alertar os participantes do tempo se esgotando.
Ah! Quase esqueci, o banheiro era permitido a qualquer hora, mas só poderia ir um participante por vez. Um dos três fiscais de sala foi designado exclusivamente para entregar o participante que gostaria de ir ao banheiro a um outro fiscal de corredor que por sua vez entregava-o a um fiscal de banheiro, este último munido com um detector de metais inspecionava o candidato antes de entrar no banheiro, se o sinal sonoro do detector acusasse alguma coisa você era interrogado sobre o que tinha no bolso e obrigado a mostrar, o que ocorreu comigo por conta da chave do carro.
A prova
Em tese há uma tática no que diz respeito a administração do tempo que parece infalível no Enem: você deve resolver 10 itens (questões) a cada meia-hora, o controle disso pode ser feito através da retirada dos adesivos. Contudo, fui surpreendido por uma prova de ciências humanas que me consumiu muito tempo na leitura e interpretação dos textos. Por vezes eram textos densos que necessitavam serem lidos mais de uma vez para que se pudesse responder aquilo que era pedido.
A prova de ciências humanas deste ano teve poucas imagens para serem analisadas; no total foram sete itens com esse tipo de texto-base, o que predominou mesmo foram os textos, com a presença de autores, como: Nietzsche, Hobbes e Simone Beauvoir. Nisto a edição deste ano se diferenciou da de 2014, quando tivemos 12 itens utilizando o recurso imagético.
Apesar de não ser da área, minha impressão como participante é que o nível deste ano estava mais elevado que a do ano anterior, o que considero um ponto positivo, afinal, nossos alunos precisam desenvolver as competências relacionadas as ciências humanas, só assim teremos cidadãos capazes de ter o mínimo de senso crítico.
Por tudo isso, levei aproximadamente duas horas e meia para responder os 45 itens de ciências humanas. Li e analisei cada um deles, mas comprometi o tempo destinado para a prova seguinte: a de ciências da natureza, restando apenas duas horas para ela. Sendo assim, precisei me apressar para compensar o tempo consumido na leitura e análise dos textos da prova anterior.
A prova de ciências da natureza também me pareceu mais exigente que a de 2014, contudo, nesta área tirei proveito de minha experiência como professor de Física partindo logo para os itens dessa disciplina, entre eles encontrei alguns com nível bem alto, que tenho certeza que devem ter causado certa dificuldade aos alunos. Depois parti para as questões de química e por fim para as de biologia, as primeiras me pareceram em nível bem acima em relação as do ano passado, algumas exigindo inclusive bastante cálculo. Já as de biologia me pareceram mais acessíveis, como vem ocorrendo há várias edições.
A prova de ciências da natureza tem uma característica diferenciada em relação a de ciências humanas, nela é possível se identificar perfeitamente os itens de cada disciplina, desta forma, consegue-se ver claramente o que é biologia, o que é química e o que é física. Na prova de ciências humanas esta divisão não é tão exata existindo muita intercessão entre as quatro disciplinas que compõe esta área: história, geografia, filosofia e sociologia. Mérito para a prova de ciências humanas que consegue se aproximar mais de uma proposta interdisciplinar que a prova de ciências da natureza, o que é uma das premissas defendidas pelo Enem.
Entreguei meu cartão resposta faltando dois minutos para encerrar as quatro horas e meia de duração da prova, neste momento fui informado pelo fiscal que só poderia sair junto com os outros dois participantes que restavam, é que por uma regra do edital os três últimos a ficarem na sala só podem deixar o local de prova juntos, após assinarem uma ata de prova. Os dois não demoraram a entregar os seus cartões-resposta, nem poderiam, o tempo já estava se esgotando.
Na saída da sala, muito cansaço, a dor no pescoço era grande e a sensação era de que meus olhos queriam ficar vidrados em alguma coisa fixa, imagino que isso ocorre devido ao tempo olhando para a mesma coisa: a prova. A vontade de comer era grande, mas a principal vontade mesmo era a de poder deitar um pouco.
Uma constatação
Analisando-se o balanço de inscrições do Enem 2015 é possível se verificar a informação de que dos quase oito milhões de inscritos, mais de um milhão tem idade superior a 30 anos. Na sala de aula que fiz prova, assim como nos corredores do prédio, era notória a presença de pessoas mais velhas, as vezes até aparentando a casa dos 50 anos. Enfim, é uma constatação em loco daquilo que os dados do Inep nos mostram. Parece que o Enem está se tornando uma porta aberta de oportunidades não só para os mais jovens, mas também para os mais velhos.