Ministério Público e juiz que autorizou a viagem internacional não apresentam justificativa legal para a concessão do benefício
MANAUS – A concessão de saída temporária ao preso Raphael Wallace Saraiva de Souza, filho do ex-deputado federal Wallace Souza, para uma viagem internacional de passeio com a mãe à Venezuela, autorizada pelo juiz da Vara de Execuções Penais, Luís Carlos Valois, não encontra respaldo na Lei de Execução Penal (Lei 7.210, de 11 de julho de 1984).
A saída foi autorizada no dia 20 de janeiro passado, depois de manifestação favorável do Ministério Público. A defesa de Raphael Souza ingressou com o pedido no dia 14 de janeiro para que ele viajasse com a mãe Ana Júlia Saraiva de Souza em viagem de 10 dias à cidade de Porlamar, na Venezuela. O documento informa que Raphael ficaria hospedado no Hotel Margarita Resort.
No dia 16 de janeiro, o promotor de justiça Marco Aurélio Lisciotto opinou favoravelmente ao pedido. Ele observa em seu parecer que a saída temporária deve ser concedida para cumprimento na mesma localidade onde a pena está sendo executada, “entretanto, excepcionalmente, há a possibilidade de deferimento para o apenado ausentar-se da comarca com o intuito de convívio sócio-familiar, desde que esteja formalizado no pedido, com indicação do local onde poderá ser localizado, requisitos estes que se fazem presente no pleito em apreço”.
O parecer do promotor, escrito em apenas uma lauda, não apresenta qualquer base legal para a concessão da saída para viagem internacional. A Lei de Execução Penal também não tem qualquer previsão de viagem nem para outra Comarca nem para fora do país.
Também não há previsão na Lei de Execução Penal para o período concedido para a saída temporária (dez dias). O Artigo 124 estabelece: “A autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano.”
Sobre o período, o promotor afirma os dias na Venezuela podem ser descontados dos dias já concedidos a título de saída temporária, “e que o apenado decline o período em que realizará a viagem”.
Diante do parece do Ministério Público, o juiz Luís Carlos Valois apenas assina embaixo, também sem apresentar qualquer justificativa legal para a viagem internacional de Raphael Souza.
Dois advogados consultados pelo ATUAL foram taxativos em dizer que a leitura ou a interpretação da Lei de Execução Penal é restrita, não cabendo ao Ministério Público e ao juiz ir além do que está no texto legal. O texto sequer menciona a palavra viagem. No parecer do MP, o que mais se aproxima da lei é a citação de “convívio sócio-familiar”, mas em outro contexto. O Artigo 122 diz que a concessão de saída temporária será feita em três casos: 1) visita à família; 2) frequência a curso profissionalizante (na Comarca) e 3) participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.
Trabalho externo
Em novembro do ano passado, Raphael foi autorizado a executar trabalho externo no regime semiaberto. A empresa que deu emprego a ele foi a Japa Food Temakeria. De acordo com o pedido apresentado pela defesa, ele trabalharia de segunda a sexta-feira, das 8h às 19h, e aos domingos (em semanas alternadas) de 8h às 12h.
Crime
No dia 28 de junho de 2008, Rapahel Souza foi condenado a nove anos de prisão pelo homicídio de Cleomir Pereira Bernardino, conhecido como ‘Caçula’, crime que ocorreu em 2007.
Em 2012, ele teve progressão de pena, passando do regime fechado para o regime semiaberto. Atualmente ele cumpre pena no Batalhão de Comando de Policiamento Especializado da Polícia Militar, no bairro Dom Pedro, zona centro-oeste de Manaus.
Veja o pedido, o parecer do MP e a decisão do juiz, cada uma em apenas uma lauda.
Pedido da defesa para Raphael viajar
Parecer do Ministério Público concordando com a viagem
Decisão do juiz autorizando a viagem de Raphael à Venezuela
Abaixo, os artigos da Lei de Execução Penal que trata da saída temporária
Da Saída Temporária
Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:
I – visita à família;
II – freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;
III – participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.
Parágrafo único. A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução. (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
Art. 123. A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos:
I – comportamento adequado;
II – cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente;
III – compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.
Art. 124. A autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano.
Parágrafo único. Quando se tratar de freqüência a curso profissionalizante, de instrução de 2º grau ou superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das atividades discentes.
§ 1o Ao conceder a saída temporária, o juiz imporá ao beneficiário as seguintes condições, entre outras que entender compatíveis com as circunstâncias do caso e a situação pessoal do condenado: (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
I – fornecimento do endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício; (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
II – recolhimento à residência visitada, no período noturno; (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
III – proibição de frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres. (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
§ 2o Quando se tratar de frequência a curso profissionalizante, de instrução de ensino médio ou superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das atividades discentes. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 12.258, de 2010)
§ 3o Nos demais casos, as autorizações de saída somente poderão ser concedidas com prazo mínimo de 45 (quarenta e cinco) dias de intervalo entre uma e outra. (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)
Art. 125. O benefício será automaticamente revogado quando o condenado praticar fato definido como crime doloso, for punido por falta grave, desatender as condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso.
Parágrafo único. A recuperação do direito à saída temporária dependerá da absolvição no processo penal, do cancelamento da punição disciplinar ou da demonstração do merecimento do condenado.