É de uma repetição assustadora, e de certa unanimidade acrítica, no entrevero estéril dos debates políticos – tidos como sóbrios e realistas – um mantra ideológico que parte das falências dos estados socialistas do século XX, para afirmar que este projeto de humanidade está ultrapassado e condenado. Ou seja, não passa de utopia romântica ou miragem enganadora. Cumpre-se, indiretamente, o papel de desencantar segmentos da esquerda a desconstruir suas raízes, e tentar, apenas dentro da via institucional, realizar um reformismo capenga em busca perpétua do mal menor. Tentam inibir as contradições, e o máximo a que se chega e propor um reformismo daquilo que buscam combater para desembarcar em lugar nenhum.
Tendo em vista que ideologia é um grande sistema de ideias articuladas para legitimar o status quo e falsear determinada realidade social, é preciso, por parte daqueles que querem um mundo diferente deste, elevar o papel da crítica. Então, não há porque negar que existe uma viés ideológico que sustenta essa prevalência desenvolvimentista: a utopia – no sentido de um sonho irrealizável. Entretanto, o desenvolvimentista está longe de ser considerado o socialismo.
Tais perspectivas que tentam traçar, com ar futurista – como faziam os astrólogos do mundo medieval – para prever que irá acontecer num período futuro, estão frequentemente acompanhadas duma melancolia política e de um amor para com as condições atuais, ditas democráticas. Qual seria a outra razão para as empresas de comunicação, as fábricas digitais de ideologia convocarem debates com pessoas que têm quase a mesma opinião?
O desenvolvimentismo se mostra, crescentemente – à medida que o capitalismo vai encurtando suas crises – como uma falsa alternativa de emancipação duma nação perante o cenário global. Não existe engano maior do que imaginar que um dia viveremos numa próspera social democracia universal. Neste cenário onírico, o mundo será uma grande Suíça. Isso jamais ocorrerá enquanto tão poucos se apropriarem da riqueza gerada por quase todos.
Não se deve, evidentemente, com isso, entender que, por haver uma considerável imprevisibilidade na história – sobretudo em momentos de crise e caos generalizado – que a população brasileira irá se levantar e, amanhã de manhã, invadir o Congresso, acabar com a sujeirada toda, e instalar o reino da paz e da harmonia. Não há nenhuma intenção infantil de propor essa bobagem romântica por aqui.
O que se insiste é que não restará de migalhas muito mais do que já restou para um país que se localiza na periferia dum sistema em crise ascendente. E sobretudo dizer que, a utopia verdadeira – a fantasia social contemporânea – é o discurso da possibilidade dum país justo e de um povo soberano por dentro das delimitações previamente estabelecidas dessa dialética dos de cima em eterno exercício de opressão para com os de baixo.
Nessa ofensiva sob as precárias e breves políticas públicas do Brasil, intimamente conectadas com o aumento da propagando do serviço privado – que começou com Dilma e que se instalou de vez com Temer – é o grande sintoma de que o centro – e com ele todo o aparato burguês – demandam imediatamente o aumento do grau de dependência sob os países periféricos.
Isto é, a já tradicional transferência de capital das periferias para o centro se acentua, e como não existe vácuo por aqui, o que ganha espaço nessa dinâmica é a versão periférica da barbárie. O trabalhador trabalha mais, trabalha pior, e ganha menos. De quebra perde seus direitos. No caminho de volta para casa se depara com o que nenhum país central quer ter, e chegando em casa recebe o circo da enganação a cores enlatada e envenenada. Não há desvinculação alguma entre o universo da utopia capitalista com a barbárie do pensar e agir no paradigma colonial.
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