No dia 19 deste mês o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) divulgou uma pesquisa sobre a urbanização de Manaus. O IBGE diz que dos 653.218 domicílios existentes em Manaus, mais da metade (53,3%) estão em aglomerados subnormais – mais conhecidos como favelas, ocupações, palafitas e loteamentos. O estudo também aponta que cerca de um terço (34,59%) dos 1.138.985 domicílios estimados no Amazonas estão na mesma situação.
Já desconfiávamos, mas estes dados são muito difíceis de engolir. Trata-se de famílias que vivem em situações de precariedade, sem usufruir de uma moradia adequada, carecendo de serviços básicos como o abastecimento de água potável, esgotamento sanitário e sem condições adequadas de higiene. Diante desta situação é impossível não constatar a perversa desigualdade que perpassa Manaus e grande parte das cidades brasileiras.
É impossível não lembrar dos luxuosos condomínios situados nos melhores lugares da cidade, onde não faltam boas infraestruturas urbanas, mas reservadas para reduzidos grupos populacionais, como o bairro Ponta Negra (zona oeste) e outras localidades como Aleixo, Adrianópolis, Nossa Senhora das Graças, Chapada, Parque Dez de Novembro (todos na zona centro-sul da cidade).
Nesta época de disseminação da covid-19, em que as pessoas precisam reforçar as práticas de higiene e viver em isolamento social, não é necessário dizer o quanto as populações vulneráveis ficam com a parte mais amarga do bolo (se é que há algum bolo para estas partes), sofrendo os efeitos letais de uma gestão urbana perversa e indiferente ao sofrimento humano.
Para que serve o vistoso PIB produzido pela Zona Franca de Manaus, elevando a cidade à sexta posição entre as mais ricas do Brasil? A resposta é óbvia: para enriquecer ainda mais os grandes empresários e elites financeiras, residentes, na sua grande maioria, fora da Amazônia. Eles extorquem as populações locais e exploram os recursos naturais, pouco colaborando para a melhoria de vida do povo manauara.
É triste a cidade cuja gestão não se pauta pela valorização do bem comum, nem pelo respeito aos bens naturais, mas está atrelada aos interesses externos, vinculada às ideologias do poder, cooptada pelas articulações sofisticadas do capital. Mais uma vez é confirmada a tese do professor José Aldemir de Oliveira, que viu Manaus como uma cidade doce e dura em excesso.
Maldita é a política que não prima pelo interesse do conjunto da população, mas sem ética e sem escrúpulos zela pelos negócios privados, usufruindo dos bens públicos. Ela é estratégia de poder usada para produzir exclusões sociais e promover a morte. Ela é instrumento de manutenção da desigualdade, que privatiza tudo o que público e socializa as perdas privadas, colocando-as nas costas das populações mais pobres, populações de favelas, ocupações e palafitas.
É urgente retornar à boa política, mas isso só será possível com a mudança dos políticos e dos gestores públicos. É preciso fazer a boa política…
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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