Por Iolanda Ventura, da Redação
MANAUS – No Amazonas, 474 trabalhadores já foram resgatados em condições análogas às de escravo de 2004 a 2021. Os dados constam no Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, do governo federal. De acordo com a Procuradoria Regional do Trabalho da 11ª Região AM/RR, a maioria é encontrada na zona rural, no setor de produção florestal, em florestas nativas.
Gabriela Menezes Zacareli, procuradora do Trabalho e membro regional suplente da Conaete (Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo) do MPT (Ministério Público do Trabalho), afirma que em geral os trabalhadores são encontrados vivendo em moradias precárias.
“Por vezes, são barracos cobertos com lona, com chão de terra batida, sem acesso a instalações sanitárias, sem água potável, desnutridos, trabalhando em condições degradantes, sob o sol, sem intervalos de descanso, sem alimentação farta, carregando peso e exercendo atividades de alto desgaste físico e em jornadas exaustivas”, descreve.
Em 2004 foram resgatados 2 trabalhadores; em 2006, 14; em 2007, 10; em 2008, 85; em 2010, 24; em 2011, 63; em 2012, 177; em 2014, 41; em 2015, 31; em 2016, 4; em 2020, 11; e em 2021, 12, todos mantidos em regime de escravidão contemporânea.
Os trabalhadores foram encontrados em 15 municípios: Lábrea, Boca do Acre, Barreirinha, Parintins, Presidente Figueiredo, Manaus, Manicoré, Codajás, Manacapuru, Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro, Humaitá, São Gabriel da Cachoeira, Novo Aripuanã e Apuí.
No Painel de Informações e Estatísticas é possível verificar a quantidade de pessoas resgatadas em cada um dos municípios. Boca do Acre e Lábrea aparecem no topo, com 371 e 244 vítimas do crime, respectivamente. No site, é possível consultar o número de cada uma das cidades.
Foram retirados do local de trabalho integrantes dos setores de produção florestal; agricultura; comércio varejista; construção de edifícios; criação de bovinos; desdobramento de madeira; extração de minério de estanho; fabricação de escovas, pincéis e vassouras; de madeira laminada e de chapas de madeira; de móveis; produtos cerâmicos para construção; e pesca em água doce.
Foram fiscalizados 78 estabelecimentos. Os trabalhadores receberam R$ 2,6 milhões em verbas rescisórias.
Fiscalização
O Painel de Informações mostra que após o pico de resgates de trabalhadores em 2012 [no total, 177], houve uma redução no número de pessoas resgatadas.
Questionada se essa queda é resultado de um trabalho punitivo do Estado que coibiu o crime ou falta de fiscalização e subnotificação, a procuradora do Trabalho Gabriela Zacareli afirma que dois fatores contribuíram para essa diminuição.
O primeiro está relacionado às peculiaridades do Amazonas. “Isolamento e grande distância entre municípios, reduzida malha rodoviária, restrito acesso à internet e a meios de comunicação em geral nos municípios distantes da capital favorecem a subnotificação de casos de trabalho escravo, em razão das dificuldades enfrentadas pela população para a realização de denúncias”, disse Zacareli.
Outro ponto é a pandemia de Covid-19. Segundo a procuradora, a doença dificultou as atividades de fiscalização do trabalho em todo o Brasil nos anos de 2020 e 2021, devido às medidas de isolamento social, restrição a aglomerações, entre outros.
Ações
Gabriela Zacareli explica que a atuação do MPT é baseada nas frentes de prevenção e repressão ao trabalho em condições análogas às de escravo. “No viés preventivo, a Procuradoria Regional do Trabalho da 11ª Região se destaca pela forte atuação junto à Operação Acolhida e pela destinação de valores oriundos de termos de ajuste de conduta e acordos judiciais a projetos de apoio aos imigrantes venezuelanos”, informou.
Zacareli explica que a Procuradoria Regional acompanha o fluxo migratório de refugiados venezuelanos para proteção dos direitos humanos, incluído nisso o trabalho digno. “A promoção de direitos aos imigrantes é a medida mais efetiva para a prevenção dos crimes de tráfico de pessoas e de redução a condições análogas às de escravo”, pontua.
Na questão da repressão, a Procuradoria Regional recebe e investiga denúncias de trabalho escravo, atuando em conjunto com auditores-fiscais do Trabalho, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública da União, dentre outros órgãos parceiros no combate ao trabalho escravo no Amazonas.
Zacareli cita como exemplo de ação repressiva uma operação em 2021 na zona rural do município de Novo Aripuanã (a 229 quilômetros de Manaus), que resultou no resgate de 12 pessoas em situações análogas às de escravo.
“Os trabalhadores localizados atuavam em atividade de manejo florestal, fazendo desmate numa situação identificada como grilagem de terra (terras de propriedade da União). Estavam morando em barracos, sem acesso a instalações sanitárias adequadas, sem água potável e com pouca alimentação”, relatou.
Punição
Zacareli esclarece que a redução de trabalhadores a condições análogas às de escravidão, além de ilícito trabalhista, é crime previsto no artigo 149 do Código Penal.
A procuradora explica que aqueles que são flagrados nas ações fiscais respondem na esfera do trabalho com o dever de pagar verbas trabalhistas e rescisórias, recolhimentos previdenciários, assinatura de carteira de trabalho, indenização por danos morais individuais e danos morais coletivos.
Na esfera penal, através de denúncia do Ministério Público Federal na Justiça Federal, o crime pode resultar na aplicação de pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Como denunciar
Denúncias de trabalho escravo podem ser encaminhadas ao MPT pelo Disque 100, para denúncia a violações a direitos humanos; pelo site da Procuradoria Regional do Trabalho da 11ª Região (https://www.prt11.mpt.mp.br/); pelo aplicativo MPT – Pardal ou pessoalmente, na sede da Procuradoria Regional, Avenida Mário Ypiranga, Bairro Flores, zona centro-sul de Manaus.