Por Iolanda Ventura, da Redação
MANAUS – A barganha política, conhecida como “toma lá, dá cá”, é uma prática comum entre os Poderes Executivo e Legislativo, usada para obter apoio e visibilidade. Cientistas políticos ouvidos pelo ATUAL avaliam que a parceria, no âmbito específico da Prefeitura e Câmara Municipal de Manaus, é comum e normalmente ocorre de forma casada, mas pode comprometer o papel dos vereadores de fiscalizar.
Afrânio Soares afirma que essa relação precisa existir e o que ocorre é que acaba sendo de forma combinada, se tornando uma via de mão dupla. “O prefeito (David Almeida) tem maioria na Câmara Municipal. O presidente da Câmara Municipal de Manaus, vereador David Reis, é um aliado do prefeito. A máquina da Câmara Municipal de Manaus acaba sendo uma extensão das pautas divulgadas, e vice-versa também”, diz.
Soares explica que o papel da Câmara é fazer e fiscalizar a aplicação das leis, bem como acompanhar a gestão do dinheiro público pela Prefeitura. Segundo ele, é importante que o Legislativo divulgue de forma prática suas ações e para isso precisa recorrer a estratégias que mostrem a atuação de forma mais clara à população.
“O Poder Legislativo não só faz as leis, como também fiscaliza pelo cumprimento e a boa gestão do dinheiro público pelo Executivo, que tem a função de realizar as obras. Mas é pouco palpável para o Legislativo conseguir explicar ao eleitor qual foi a sua participação na prática das benfeitorias. Então, existe uma prerrogativa no Legislativo que são as emendas parlamentares”.
As emendas são uma verba pública que cada vereador recebe e pode destinar a algum projeto da Prefeitura, se tornando coautor. “Então, se um vereador destina uma verba para reforma da feira municipal, é justo que ele seja lembrado na hora que essa obra for inaugurada porque ela acabou sendo executada com a verba de uma emenda parlamentar de sua autoria”, diz.
Essa parceria, segundo o analista político, é benéfica para ambos, pois mostra a participação do vereador nas obras que são realizadas e em relação ao prefeito, evidencia força, mostrando que ele tem uma bancada grande. “O que estou vendo agora é que parece que estão mais explícitas, parece que as pautas estão sendo feitas pela mesma fonte. A fonte que organiza para um parece que está organizando para outro também”, avalia Soares.
Um exemplo recente foi a pavimentação da Rua Guapirama, antiga Tamôios, no bairro Cidade Nova I, no começo de agosto. Matéria de divulgação no site da CMM do último dia 4 informa que o recapeamento ocorreu após solicitação do presidente da Câmara, vereador David Reis, à Seminf (Secretaria Municipal de Infraestrutura). Nela, David Reis faz referência ao trabalho da atual gestão da prefeitura. “O prefeito David Almeida e o vice-prefeito e titular da Seminf, Marcos Rotta, estão intensificando as obras de infraestrutura em nossa cidade”, diz no texto.
No dia 5, matéria no site da Prefeitura de Manaus fala da visita de David Almeida ao local que, segundo a prefeitura, não tem recuperação asfáltica há pelo menos 40 anos.
O cientista político Francinézio Amaral observa que a composição das forças políticas nas casas legislativas municipal e estadual estão desequilibradas e como consequência prejudicam o bom funcionamento da democracia. “Isso porque não existe um grupo de oposição capaz de equilibrar o jogo político. Daí, fica muito mais fácil para os chefes dos Executivos estabelecerem relações que atentam contra os interesses da sociedade”.
Na análise de Amaral, esse é o principal resultado do “toma lá, dá cá”. “Vereadores não fiscalizam o prefeito, o prefeito libera verbas para os vereadores fazerem ‘bonito’ em seus currais eleitorais e, tudo certo para eles, pois para sociedade e para democracia as consequências são sempre muito ruins”, diz.
Para o cientista político, a tradicional barganha política é prejudicial. “Esse jogo de interesses só traz prejuízo para a sociedade, pois é um círculo vicioso que mantém o eleitorado refém de benesses que, na verdade são apenas a obrigação dos poderes Legislativo e Executivo”.
Afrânio Soares vê nas ações de vereadores com foco em redutos eleitorais uma estratégia antiga. “É uma estratégia para que suas obras sejam vistas e é um estratégia também em benefício próprio para que o seu reduto eleitoral tenha confiança e veja que ele voltou e cumpriu as suas promessas”, diz.
Também cientista político, Breno Rodrigo de Messias Leite afirma que focar nas demandas de determinado local ou segmento da população é algo comum e que ajuda a atender as diferentes necessidades de uma sociedade plural. “Quando um vereador vai se candidatar, ele precisa antes de tudo atender um público específico. Não dá para representar todo mundo”, afirma. “Por exemplo, eu sou candidato representante dos policiais federais, estaduais, qualquer coisa assim, eu vou representar esse grupo”.
Destinar emendas para localidades específicas e dar visibilidade a isso faz parte do trabalho do vereador, avalia Breno Rodrigo. “Não há nada de ilegal, algo antiético, não. Pelo contrário, ele está dando uma publicidade a uma demanda dele de parlamentar”.
Breno Rodrigo afirma que esse tipo de alinhamento político do Executivo com o Legislativo é mais fácil para quem é governista. “Se você é um vereador de oposição, não é que você não vá conseguir as coisas, mas você vai comer o pão que o diabo amassou. O prefeito não vai inaugurar uma obra com um vereador da oposição. Ele vai inaugurar a obra, mas vai dizer ‘isso aqui é coisa minha’”, explica.
Como contrapartida, o prefeito consegue a aprovação de projetos na Câmara. “O prefeito por sua vez solicita do vereador apoio e lealdade, ou seja, votar a favor dos projetos do prefeito”, diz.
Segundo ele, no cenário político de Manaus é mais vantajoso aos vereadores serem da base governista. “A não ser que o prefeito esteja com a imagem muito desgastada”, diz. “Por exemplo, em relação ao governo estadual é mais negócio ser de oposição”, considera.
Para Francinézio Amaral, o problema maior, nesse caso, é que os vereadores usam mandatos públicos de forma privada. “É importante lembrar que um parlamentar é eleito para representar os interesses da sociedade como um todo e não apenas os interesses de seus redutos eleitorais”, pontua.