Um pedaço do Amazonas também comemorou muito a classificação da seleção peruana para a Copa do Mundo na Rússia. Após a vitória sobre a Nova Zelândia (2 a 0), na semana passada (15), milhares de peruanos que vivem em Tabatinga saíram às ruas da cidade amazonense para celebrar o fim de uma incômoda espera. Desde 1982, a equipe ‘rojablanca’ não conseguia participar de um mundial.
Dessa vez, lá no Alto Solimões, as cenas de explícita alegria vinham da parte mais pobre da tríplice fronteira, a ilha de Santa Rosa, um povoado repleto de palafitas. Em todo o País, tornaram-se comuns cenas de homens, mulheres e crianças compartilhando lágrimas e risos e, antes desconhecidos, se abraçando e cantando juntos. Os amazonenses também aderiram à euforia dos vizinhos e partilharam dela.
Como todos sabem, PPK manda no Peru. Assim, o presidente Pedro Pablo Kuczynski, mais conhecido como PPK, declarou feriado nacional para o povo festejar a classificação.
As emocionantes imagens de gente mestiça feliz não ganharam a compreensão e simpatia de todos. Ao contrário, geraram ironias e sarcasmos. Nas redes sociais, os ‘descolados’, que acham bobinho qualquer festejo esportivo, logo preferiram compartilhar troças como: “Estados Unidos, Itália, Holanda, Irlanda e Nova Zelândia. Países que insistiram em investir em Segurança, Saúde e Educação. Resultado… Estão fora da Copa 2018. Chupa!”.
Para rir da provocação é preciso ignorar a falta de relação entre os investimentos em segurança, saúde e educação ou qualquer outro aspecto socioeconômico feito por um país com a sua participação em um mundial de futebol. Entre os 32 países classificados para a Copa do Mundo de 2018 também há nações ricas como Alemanha, Inglaterra e França. Se é verdade que os EUA perderam a vaga para o Panamá e a Nova Zelândia para o Peru, também é verdadeiro que a Suécia tomou a vaga da Itália, a Dinamarca a da Irlanda e a Austrália venceu Honduras. Além disso, os péssimos índices de segurança, saúde e educação de centenas de pátrias não lhes garantiram um futebol melhor suficiente para conquistarem uma vaga na Copa.
Coincidência ou não, semana passada também viralizou o texto “A caminho do brejo”. Recebi-o três vezes em um mesmo dia, com a informação de que se tratava do mais recente artigo da jornalista Cora Rónai. O texto contém trechos contundentes como: “Um país vai para o brejo quando políticos lutam por cargos em secretarias e ministérios não porque tenham qualquer relação com a área, mas porque secretarias e ministérios têm verbas — e isso é noticiado como fato corriqueiro da vida pública”.
A minha ressalva para o artigo era o seu trecho final: “Enquanto isso tem gente nas ruas estourando fogos pelos times de futebol!”. Depois, descobri que na versão original do texto da Cora Rónai (publicado no dia 08 de dezembro de 2016) não faz parte esse trecho de lamento contra a alegria “alienada” de quem gosta de futebol.
Por que, então, alguém achou necessário alterar um artigo para incluir a censura aos que soltam foguetes por causa do esporte mais popular? Por que a ironia com a alegria dos povos dos países que conseguiram participar da Copa?
Para os que se consideram descolados, politizados e verdadeiramente preocupados com as grandes questões do mundo, há apenas alguns poucos motivos justos para alguém sorrir e se alegrar enquanto o mundo não melhora de acordo com as exigências deles. E o futebol não tem essa licença especial para deixar ninguém ficar contente.
Assim, como se dissessem “Você ainda desfruta a sobremesa, sabendo que há fome no mundo?”, ao verem um “ignorante” em júbilo por conta de um resultado esportivo, eles parecem repetir os versos iniciais do clássico “A flor e o espinho”: “Tire seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor”.
A interpretação é que se divertir com o futebol é pura alienação. Para eles, todos os que gostam do esporte têm sua percepção política afetada. Há, todavia, vários casos mostrando que mais atenção a tudo que envolve o futebol pode ajudar a aguçar o senso crítico.
Um exemplo aconteceu com a eleição de Fernando Collor. Milhões de brasileiros votaram nele para ser o primeiro presidente após a Ditadura Militar, acreditando na propaganda de que ele era o “caçador de marajás”.
Entre os que não caíram na conversa fiada, estavam os que acompanhavam as notícias esportivas e já conheciam Collor por sua atuação como presidente de um time alagoano, o CSA. Ou seja: se mais gente acompanhasse atentamente o futebol nacional, pelo menos essa dor não teria atrapalhado o caminho e o sorriso dos brasileiros.
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