Por Feifiane Ramos, do ATUAL
MANAUS – Ao chamar a amazonense Isabelle Nogueira, 31 anos, de “índia”, no BBB 24, nesta quinta-feira (11), o cantor Rodriguinho gerou polêmica sobre o uso do termo, considerado preconceituoso para se referir aos indígenas.
Historiadores e sociólogos afirmam que a palavra reflete estigmas colonizadores e expressa uma visão distorcida dos povos originários. Isabelle rebateu o colega de reality e o advertiu sobre o uso pejorativo do termo.
O professor Robert Rosas, diretor da Faculdade de Letras da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), explicou ao ATUAL que a palavra “índio” ou “indiona” não é, em si, “preconceituosa ou pejorativa”, mas que é preciso olhar em que contexto a palavra foi dita, pois, segundo ele, a língua envolve mecanismos não só linguísticos, mas também propriedades cognitivas, simbólicas e interativas porque tem a ver com processos históricos e ideológicos.
“O elemento fundamental para o uso apropriado é partirmos do princípio de que a língua não é neutra e, sim, um fenômeno sócio-histórico, ideológico, ético-político. No nosso caso, povos amazônicos, é preciso repor o processo colonizador que sofremos. Os povos originários foram dizimados tanto em seus corpos quanto em suas culturas, suas línguas, seus simbolismos”, afirma.
Robert Rosas diz que as línguas são variáveis e adaptativas e servem a diferentes cenários e interesses e mudam por “diferentes formas e motivações”. Ele lembra que o Brasil e a Amazônia sempre foram plurietnicos, plurilingues e multiculturais e que o monolinguismo “só aconteceu e acontece nas relações colonizadoras e opressoras”.
“É preciso recuperar as lutas dos povos indígenas pela valorização de suas línguas, dos seus léxicos, das suas culturas. O termo índio não caiu em desuso. Ele é incompatível com a proposta linguística e político-cultural dos povos originários hoje. Portanto, não deve ser considerado normal. Normal é a diversidade. Normal é ouvir e respeitar a voz dos povos amazônicos historicamente silenciada”, afirma.
Raimundo Nonato Pereira da Silva, antropólogo e cientista político da Ufam, reforça que o termo “índio” é direcionado às pessoas, geralmente caracterizado por adjetivos como “preguiçoso, selvagem, indolente e traiçoeiro”.
“O uso expressa, sim, uma atitude e um comportamento preconceituoso. Não se trata de falta de conhecimento por parte de quem expressa. Quem expressa sabe o fim que se propõem, o objetivo a atingir: a dignidade humana”, explica.
Esconde a diversidade
O indígena Pedro Tukano, do povo Yepá-Mahsã (Tukano) e coordenador de comunicação da Apiam (Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas), disse que o termo “índio”, além de ser usado e empregado de forma errada, também esconde a diversidade dos povos originários que existem no território brasileiro. Para ele, o termo é considerado racista e genérico.
“E cada povo tem sua característica. Ele tem sua língua, seu costume e sua cosmovisão, né? Então, a palavra índio acaba se tornando, para nós, um termo racista porque depende do tom que a pessoa vai utilizar. A palavra indígena, ela reflete essa questão de que nós somos um povo originário, que indígena quer dizer originário, aquele que está ali antes dos outros. Então, a gente prefere esse termo porque é um termo que nos contempla, que nos coloca como um povo diverso”, explica.
Pedro Tukano relata que algumas pessoas justificam o uso alegando que “conhecem” alguém que utiliza a palavra. “E não é tão errado. Existem muitos parentes nossos que utilizam o termo índio ainda, porque a gente foi acostumado. Ensinados, durante a colonização, a catequização, a nos se referir enquanto índio”.
“Existe uma grande diferença quando uma pessoa indígena utiliza e quando uma pessoa não indígena utiliza esse termo. Por exemplo, quando é um parente nosso a gente compreende que esse parente ele não está anulando a própria subjetividade. Ele utiliza aquilo porque foi a forma que ele aprendeu e não se sente atingido negativamente. Mas quando a gente vê uma pessoa não indígena utilizando, em sua maioria eles utilizam para generalizar mesmo, reforçar estereótipos e muitas vezes em tom de desprezo, que acaba beirando racismo, anti-indígena mesmo”, argumenta.
Pedro diz que espera que a sociedade compreenda as “reinvindicações” em relação a termos utilizados para se referir aos povos originários para que “a gente avance enquanto sociedade e viver de forma respeitosa”.
“Eu espero que a educação mude, principalmente aqui no Amazonas, em relação a ensinar sobre a realidade das populações indígenas, mostrar que nós somos plurais, mostrar que nós somos diversos, porque nós somos um estado com maior presença de pessoas indígenas. Nós estamos numa capital com maior presença de pessoas indígenas”, afirma.