Com espanto, olho o DOM (Diário Oficial do Município) desta semana, dia 6 de junho, página 2, e vejo a publicação de alterações no Conselho Municipal de Cultura, quanto à junção da cadeira de teatro ao circo, e a retirada da cadeira de projetos especiais, que será substituída pela cadeira de cultura popular, entre outras questões, que não foram participadas a nós conselheiros para publicação.
Isso caracteriza desrespeito aos membros da sociedade civil do Concultura e aos demais artistas de teatro de Manaus, que clamam por maiores esclarecimentos a partir deste e episódio. O curioso é que estivemos juntos na quarta-feira, 7, para nossa última reunião ordinária e nem assim fomos informados.
O papel de um Conselho de Cultura – Em primeiro lugar, é necessário dizer o porquê da participação na localidade (não apenas política, mas de empoderamento criativo). Não há sociedade criativa, no sentido de uma criação coletiva da cultura, mas cristalizações de poder e do fazer cultural.
A cidadania e o desenvolvimento cultural bebem diretamente nos processos participativos. Eles definem protagonismos e sujeitos culturais ativos, logo a saúde da cidadania cultural.
Os processos participativos têm demonstrado sua importância no fortalecimento de protagonismos locais e sua incidência política, desenvolvimento das comunidades, construção da diversidade e do diálogo intercultural e nos processos de mudança de modos e sentidos de vida civilizatórios.
As sociedades necessitam cada vez mais da cultura para a qualidade de vida: raízes, ancestralidades, escolhas das melhores formas de viver e conviver, arte, fazeres culturais de todos os matizes.
O acesso aos modernos meios de comunicação e às tecnologias, bem com a universalidade dos valores e modos de vida não se vitalizam sem diversidade e participação cultural, a diversidade cultural.
Proposta fundamental para o desenvolvimento cultural frente a processos globais homogeneizantes não poderá prescindir nunca da centralidade dos processos participativos na vida cultural da comunidade e do país. Muitos governos e movimentos culturais hoje estão atentos a estes processos que enriquecem a vida cultural. Aqui, entendemos participação em sua acepção mais larga: desde os diálogos grupais no território e seus encontros interculturais, a incidência sobre fazeres culturais locais e nas formas institucionais que assume a participação.
Mas a desobediência dos movimentos culturais que contestam, reivindicam, atualizam o debate, transgridem simbolicamente, são vitais para a qualificação da democracia.
Atualmente, os fóruns e redes constituem-se em campos horizontais provocadores e proponentes de políticas e do debate público. Fóruns de Cultura, de água, direito a cidade, lixo e cidadania, segurança alimentar, cultura popular, redes de paz, de saúde, de cultura da criança etc, têm presença ativa nas políticas públicas dos vários segmentos, e são projetos especiais como estes que nossa representação cria e defende dentro do conselho de cultura. Não há uma contraposição em relação à cadeira de cultura popular, visto que cultura popular, pode ser quase toda expressão que não seja erudita. Criaremos uma cadeira para cultura erudita no Conselho Municipal de Cultura de Manaus? Temos essas expressões em Manaus? Temos circo?
Relembremos três características essenciais aos conselhos: composição plural e paritária, natureza deliberativa de suas decisões e seu objetivo de formular e controlar a execução das políticas públicas.
Para que sejam considerados como um meio efetivo e concreto da participação popular na gestão pública local, é necessário superar alguns desafios apresentados na realidade das municipalidades.
Um deles trata da cultura política autoritária e clientelista, ou seja, uma cultura baseada em privilégios particulares. Dessa forma, a sociedade deve compreender que a sua participação é necessária e eficiente na gestão pública, especialmente quando se estabelece uma boa relação entre os gestores locais e os cidadãos. Os conselhos municipais funcionam então como um espaço de convivência entre os diferentes atores sociais, vindo à tona a visibilidade de suas necessidades e de seus problemas, com a busca de soluções concretas para os mesmos.
Outro desafio refere-se à composição paritária dos conselhos, que deve ser tanto numérica quanto qualitativa. Assim, é necessário que sejam banidos conselheiros que, por exemplo, exerce cargo de confiança na administração pública local, os chamados “apadrinhados”, e que priorizam serviços ditados pelos gestores, não representando, dessa forma, os interesses dos usuários, passando, muitas vezes, a agir individualmente, sendo suscetíveis a pressões políticas. Devem ser estabelecidos critérios para garantir uma igualdade de condições a todos os conselheiros.
Quanto à composição qualitativa, faz-se imprescindível a capacitação continuada desses conselheiros, por meio de cursos, seminários, fóruns, etc., no intuito de coordenar as ações pertinentes a uma forma mais participativa de construir as políticas públicas, e também uma orientação, tanto para os conselheiros gestores como para os conselheiros usuários, acerca do desenvolvimento de todo o processo, tanto da política como da administração, desenvolvendo-se um comprometimento dos atores sociais nesse trabalho.
O desafio ligado ao caráter deliberativo dos conselhos municipais encontra-se enraizado na já citada tradição clientelista do poder público, devendo ser superado com a compreensão, por parte dos gestores locais, de que a participação popular na definição e na efetivação das políticas públicas é essencial, criando-se um diálogo entre a sociedade civil e os gestores e também mecanismos de transparência e acessibilidade de todos às informações relativas aos processos. Assim, quanto maior for a diversidade de meios de comunicação atuantes no local e de cidadãos capazes de fazer uso desses meios, maior será o espaço aberto para os debates públicos, a transparência das decisões, a construção do exercício da cidadania.
Outra questão a ser levantada é a da garantia dos mecanismos operacionais, ou seja, é preciso que se definam claramente as regras de funcionamento dos conselhos, a periodicidade e a dinâmica das reuniões, a forma de definição dos assuntos a serem tratados na pauta, etc., e também a existência de uma logística própria, com uma estrutura física, humana e orçamentária.
De acordo com o filósofo e político italiano Antônio Gramsci, o Estado não deveria ser visto apenas como Governo. Gramsci faz a divisão de Estado em sociedade política e a sociedade civil. Segundo ele, a sociedade política é referente às instituições políticas e o controle legal e constitucional que exercem. Já a sociedade civil é vista como um organismo não estatal ou privado, que pode incluir a economia, por exemplo. A sociedade política é conotada com a força e a sociedade civil com o consentimento. Ou seja, a sociedade civil (no caso, as organizações sociais) chega onde o poder público não pode alcançar e é corrompida ao se submeter ao clientelismo de interesses políticos eleitoreiros ao invés de dar sua contrapartida de forma justa, ética e social para a cidadania e qualidade de vida de todos. O que é o inverso da manutenção eterna de seletos grupos com o dinheiro público.
Sociedade civil em uma abordagem clássica é o somatório total das organizações e redes situadas fora da organização do Estado, dedicadas a uma diversidade de temas em áreas como direitos humanos, educação, trabalho, meio ambiente, liberdades, laicidade, cultura, associações e movimentos cívicos, que, sem interferir nas áreas exclusivas do Estado, zelam pela vigilância e análise dos direitos constitucionais, garantias individuais e coletivas, previstas na Constituição.
Em um quadro atual de um Estado falido e desatualizado para tratar com as questões dos direitos e garantias conquistados, surge a sociedade civil organizada, pois a vida pública da qual o Estado se ausentou passou a ser gerida por interesses econômicos de mercado.
*Marieny Matos Nascimento, a ultima representante da extinta cadeira de projetos especiais do conselho de cultura de Manaus, 2015,2017.