Por Jullie Pereira, da Redação
MANAUS – O TCE (Tribunal de Contas do Estado do Amazonas) aceitou representação contra um aterro sanitário privado que está sendo construído em área ambiental de Manaus, próximo ao Igarapé do Leão, no Tarumã-Açu, zona norte da capital. A representação é do MPC (Ministério Público de Contas) que cobra a Sema (Secretaria de Meio Ambiente) e o Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas) para explicar a concessão de licença ambiental. O MPC quer a revisão do processo de licenciamento da obra.
O MPC informa na representação que a Diretoria de Controle Externo da Gestão Ambiental realizou vistoria e constatou que o aterro pode causar contaminação das águas e destruição de nascentes. O aterro é no km 13 da BR-174 (Manaus-Boa Vista/RR). O MPC abriu o procedimento a partir de denúncias de moradores do local, em julho.
O aterro é construído pela empresa EcoManaus, do Grupo Marquise, que administra a coleta de lixo em Manaus. O Ipaam cedeu licenciamento para a instalação em novembro de 2020 com validade de dois anos, devendo ser feito outro processo após esse período. No documento, uma das condições para a permissão foi que a empresa continuasse um programa de recuperação ambiental com reflorestamento da área que fica entre a obra e o Igarapé do Leão.
O instituto também solicitou que a área do igarapé fique demarcada com telas de proteção. Mesmo assim, o procurador Ruy Mendonça alega que o Tarumã é patrimônio público estadual e deve ser preservado. “As obras de terraplanagem do empreendimento altamente impactante seguem na área adjacente ao leito, margens e nascentes provocando mais degradação das águas e destruição de elementos do corpo hídrico”, explica.
O procurador também faz críticas aos representantes dos órgãos públicos, afirmando que a “inércia dos gestores que deveriam agir prontamente para pôr a salvo o igarapé pode propiciar mais danos ambientais por empreendimento de duvidosa regularidade”.
Antes de entrar com a representação, o MPC fez recomendações e, de acordo com o procurador, o secretário da Sema, Eduardo Taveira, informou que a competência seria apenas do Ipaam e não de sua responsabilidade. O diretor do Ipaam pediu 30 dias para averiguar a situação.
A supervisora na ‘Agenda Cidades Sustentáveis’, da Fas (Fundação Amazônia Sustentável), Cristiane Rescarolli, explica que os aterros sanitários podem prejudicar o solo, a água e o ar e que a localização, próximo ao Tarumã-Açu, pode afetar a vida de animais e de pessoas que vivem no entorno.
“Os aterros sanitários por si só já são uma problemática ambiental, eles emitem gases nocivos, envenenam o solo e a água das áreas em que se encontram. Outro grande problema desse aterro é a sua localização, a área do Tarumã-açú é repleta de igarapés que podem levar essa contaminação ainda mais longe, destruindo belezas naturais além da queda na qualidade de vida das pessoas que vivem no entorno”, afirma.
A supervisora, que também é doutora em biotecnologia, informa também que a falta de coleta seletiva na cidade faz com que os materiais despejados no aterro sejam tóxicos, como é o caso de pilha e baterias, ” levando a mortalidade de animais e doenças graves para a população local, porque a ingestão da água contaminada pelo chorume pode acarretar doenças renais, câncer de fígado, leucemia e até levar a má-formação de fetos”.
Em nota, o Ipaam informou que documentos foram encaminhados ao MPC, mas evitou relatar detalhes sobre o andamento do pedido.
“O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) informa que a documentação solicitada foi encaminhada e que cabe ao Ministério Público de Contas (MPC) analisar e fazer a manifestação cabível. Informamos, ainda, que estamos à disposição para colaborar no que for necessário, com os órgãos de controle”, diz a nota.
O Grupo Marquise afirmou que o Igarapé do Leão não será tingido com a obra e “não sofrerá qualquer dano”.
Leia a nota da empresa na íntegra.
A EcoManaus tem todos os seus projetos de segurança ambiental aprovados pelos órgãos de controle competentes por empreendimentos privados como esse. A empresa tem grande expertise em recuperação, operação e manutenção de aterros sanitários em todo o Brasil. O Igarapé do Leão, afluente do Rio Tarumã, que passa próximo ao aterro sanitário de Manaus, não sofrerá qualquer dano em função das modernas técnicas que a empresa utiliza em seus aparelhos de tratamento de resíduo
A Sema foi consultada, mas não respondeu aos contatos.
Danos ao rio
O proprietário do flutuante ‘Abaré Sup’, Diogo Vasconcelos, 28, afirma que a construção do aterro é “o pior cenário”. Ele diz que há risco de danos aos rios. “Imagine a contaminação por chorume e metais pesados ? Esse é talvez o pior cenário para um curso hídrico. No curto prazo a qualidade da água despenca a níveis inaceitáveis aos humanos . Paralelamente o nível de oxigênio cai matando ou expulsando os peixes. Sem peixes todo o ecossistema ficar sob stress. Botos e jacarés sumiriam”, explica.
Letícia Barros, 28, dona do ‘Flutuante Tukano’, diz que o aterro vai afetar seu trabalho, principalmente a preservação do local. “Qualquer construção que afete o tarumã de alguma forma negativa, nos afeta também. Pra mim, o tarumã é meu quintal e eu procuro preservar o máximo, se tem algo que me deixa triste por exemplo, são as épocas das secas, que os lixos começam a descer dos igarapés e se acumulam pelo tarumã”, diz.
O presidente da Associação dos Flutuantes, Lúcio Bezerra, afirmou que qualquer resíduo que pode ser despejado no rio é prejudicial. “Isso interfere diretamente na vida das comunidades, não só no meio ambiente como um todo, mas também nas atividades que são desenvolvidas nessa área, os impactos devem ser avaliados e controlados”, diz.