Por Aldizângela Brito, da Redação
MANAUS – Despejados por não conseguirem mais pagar o aluguel em Manaus, seis venezuelanos encontraram na solidariedade uma oportunidade de superar as dificuldades de se adaptarem à uma vida nova. Um é ex-empresário da construção civil, outro socorrista, há também um mecânico, uma cabeleireira, uma manicure e um soldador.
Os refugiados foram abrigados pelo casal amazonense Aldenice Oliveira, 43, e Miguel Oliveira Filho, 57. Aldenice é presidente da Associação de Moradores do Núcleo 16 da Cidade Nova, na zona norte da cidade. “Disseram para eles virem aqui comigo que eu daria um jeito. Eu cedi o andar de cima da minha casa, que virou um albergue. Lá a gente almoça juntos e procuramos fazer algo para ajuda-los”, disse Aldenice.
O novo abrigo é provisório até encontrarem um lugar definitivo e a hospedagem, embora solidária, tem custos. Com Aldenice, os migrantes aprenderam a fazer sabão usando óleo usado de cozinha. Os produtos são vendidos em feiras no bairro e o dinheiro arrecadado é usado pelos refugiados para obter documentos e pagar custos com transportes e alimentação.
Para o socorrista Nestor Acevedo, de 38 anos, a Venezuela ficou para trás. A esposa e os três filhos também. Ele deixou a família para procurar trabalho no Brasil. O socorrista disse que o governo venezuelano perdeu o controle do país. “As leis não funcionam, não há produção de alimentos e as empresas migraram para outros países. Não tem dinheiro e, quando tem, só é possível comprar comida em postos do governo. Você chega no posto e te dão uma senha para você voltar depois de cinco dias”, disse Acevedo.
O soldador Antonio Jiménez, 35, também deixou esposa e uma filha. Ele disse que pretende trazê-las para o Brasil, mas tem esperança de que um dia possa voltar para a terra natal. Jiménez conta que a violência policial é uma preocupação dos venezuelanos. “Os assaltos são comuns e a polícia, a Guarda Nacional reprime as pessoas. Venezuelano que protesta, morre”, disse Jiménez.
A professora Mardelys Afonzo, 38, diz que o país enfrenta um caos e que Hugo Chavez foi apenas um caminho para chegar ao que a Venezuela vive hoje. “Não existe democracia, Maduro é mau, um ditador. Mas tudo começou com Chavez”, disse. “Os comércios não funcionam mais e o que chega de comida e outras necessidades, são desviados. Um frango custa R$ 30, equivalente a milhões de bolívares venezuelanos, e um quilo de carne custa 2 milhões de bolívares”, disse Mardelys.
Betzabeth Salas, 28, já conseguiu emprego. Ela é cabeleireira e foi contratada por um salão. Com a renda, ajuda os amigos. Também tem saudades da terra natal, mas diz que não pretende voltar enquanto for mantido o atual governo.
A distância não impede o contato com as famílias, feito por telefone. Os migrantes também enviam dinheiro quando conseguem alguma renda em Manaus. “Imagino abrindo a porta e vendo meus filhos correndo. Isso não tem preço”, disse Nestor Acevedo. O socorrista falou que o contratempo acabou ajudando a encontrar pessoas acolhedoras no Brasil, que entendem a situação deles e que estão auxiliando na busca por emprego.
Gratidão e amizade são valores cultivados com Aldenice. E mesmo se virando como podem, os venezuelanos aceitam doações de comidas e roupas. Também precisam de redes para dormir. As instalações são boas, mas Aldenice não esperava abrigar um número razoável de migrantes rapidamente. O improviso foi necessário para dormir em sofá e rede de criança.
Na primeira semana de abril, 140 novos venezuelanos vieram de Boa Vista (RR) para Manaus. A Secretaria Municipal de Assistência Social estima em 3,5 mil o número de refugiados venezuelanos na capital.