Por Igor Gielow, da Folhapress
SÃO PAULO-SP – O Ministério da Defesa foi criado com dupla missão. Primeiro, simbolizar a subordinação militar ao poder civil em um país que passara 21 anos sob generais. Segundo, unificar o emprego até então autônomo das três Forças.
Vinte anos depois de sua criação em 10 de junho de 1999, houve avanços rumo aos dois objetivos, mas o dilema do equilíbrio entre a essência fardada da pasta e sua gestão paisana segue presente. Hoje, Fernando Azevedo é o titular da pasta e segundo militar a ocupar o cargo, tendo substituído outro general de quatro estrelas da reserva, Joaquim Silva e Luna.
À primeira vista, isso parece indicar o
fracasso do primeiro objetivo declarado, mas poucos fora da esquerda mais
militante veem assim.
“É uma falsa questão. A qualificação inegável dos militares a tornam
elegíveis a ele”, afirma Raul Jungmann, ex-deputado e primeiro ministro da
pasta após o impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016.
Concordam com ele Aldo Rebelo, seu antecessor e então homem do PC do B, e, claro, Fernando Azevedo. “A missão exige capacidade”, diz o político, hoje no Solidariedade. “É um cargo político, podendo ser ocupado por civis ou militares”, diz o atual ministro.
O problema real, sustenta Jungmann, é o desequilíbrio interno da pasta. Grosso modo, o ministério se divide em dois braços: a Secretaria-Geral, que cuida de todas as questões administrativas e orçamentárias, e o Estado-Maior Conjunto, o ramo militar. “A principal fragilidade é falta de analistas civis e gestores de defesa”, diz Jungmann.
Com efeito, 73% dos 1.390 funcionários do
ministério hoje são militares.
A questão da unificação de gestão é problemática. A Secretaria de Produtos
de Defesa foi criada em 2010, mas as compras continuam, ao fim, sendo decididas
pelas Forças de forma separada – uma exceção foi o programa de aquisição de 50
helicópteros franceses, a serem usados pelos três ramos armados.
“Cada um puxa a sardinha para a sua brasa”, diz Rebelo. Azevedo contemporiza: “A racionalização dos processos de compra é sempre desejável, mas a unificação nem sempre é a melhor solução. As Forças Armadas possuem especificidades que muitas vezes tornam mais racional e econômico descentralizar”.
“Um aspecto positivo é a sofisticação do processo político de se pensar defesa no Brasil. Há uma melhor coordenação em termos de pensamento e a compreensão de que demandas necessitam maior interoperabilidade entre Forças e atores civis”, avalia Vinicius Mariano de Carvalho, professor do Brazil Institute e do Departamento de Estudos da Guerra do King’s College (Londres).
Institucionalmente, foram 20 anos de um longo
parto ainda inconcluso. Nada menos que 4 dos 12 titulares saíram devido a
crises agudas. A primeira vítima foi o estreante do cargo, Elcio
Alvares. Então senador pelo PFL-ES, ele havia sido derrotado na sua tentativa
de reeleição.
Ganhou o ministério de Fernando Henrique Cardoso como uma compensação.
Isso enfureceu os militares, que já não queriam perder suas quatro pastas:
Exército, Marinha, Aeronáutica e Estado-Maior das Forças Armadas.
Desde a Constituição de 1946 havia a indicação da necessidade de unificação. Em 1996, quando FHC começou os estudos de criação, apenas 23 países do mundo não tinham uma pasta dessas. “O interessante é que na ditadura houve pouca modernização militar. O ministério era uma forma de retirar influência militar, sim, mas também visava avanço”, diz Rebelo.
Alvares passou seis meses de 1999 como ministro extraordinário, e em sua posse os agora comandantes militares não o cumprimentaram. Quando uma CPI ligou sua principal assessora ao crime organizado no Espírito Santo, o chefe da FAB o criticou e acabou afastado. Semanas depois, Alvares caiu. O primeiro ministro da era Lula, o diplomata José Viegas, se indispôs com o Exército.
A Força havia feito uma defesa da ditadura e Viegas, ao fim, caiu. Mais à frente, o político baiano Waldir Pires gerenciou o chamado caos aéreo. Saiu e abriu caminho para Nelson Jobim em 2007. Coringa da República, o ex-deputado, ex-ministro de FHC e ex-presidente do Supremo foi o mais longevo e influente titular da Defesa até aqui. Ele entregou o maior acordo militar da história, celebrado com a França em 1999, e todo um arcabouço institucional resumido pela Estratégia Nacional de Defesa de 2008 e pela política para impulsionar a indústria bélica nacional.
Não sem críticas. Seu estilo trator não lhe garantiu amizades entre o generalato. Ele também reestruturou a pasta e deu ao ministro a prerrogativa de levar ao presidente os nomes sugeridos para comandar as três Forças, retirando poder dos militares. “O Jobim mudou tudo”, avalia Rebelo. Ele foi mantido no cargo por Dilma em 2011, mas por pouco tempo: ambos se detestavam. Ele não respondeu a um pedido de entrevista. Na lista sucessória de titulares, dois petistas não ganharam pontos entre os militares. A cúpula considera que Celso Amorim (2011-15) não garantiu que o lado militar fosse contemplado nos trabalhos da Comissão da Verdade, que mapeou os crimes da ditadura de 1964.
E o generalato abomina a curta gestão de Jaques Wagner, que patrocinou um decreto que tirava poderes dos comandantes de nomear seus subordinados. Dilma foi obrigada a recuar, e o substituiu pelo bem relacionado Rebelo.
O governo de Michel Temer (MDB) deu curso à chamada remilitarização da Defesa, com a indicação de Silva e Luna após Jungmann ser promovido para o recém-criado Ministério da Segurança. A chegada ao poder de Jair Bolsonaro, capitão reformado do Exército que foi um dos três deputados federais a votar contra a criação da Defesa, consolidou o movimento.
Azevedo é um dos oito ministros militares no governo, uma área que se vê em embates constantes com a dita ala ideológica da administração. Ele considera o maior acerto da pasta até aqui a integração entre Forças, decorrente em grande parte da segurança de grandes eventos (Copa, Olimpíada, conferências internacionais) e de operações de Garantia da Lei e da Ordem.
De resto, dinheiro segue sendo um problema -mais de 80% do orçamento militar vai para pessoal. Com a exceção de um momento no fim dos anos 2000, que acompanhou o crescimento pontual de então, a situação é usualmente de dificuldade: 43% da verba para investimento e custeio deste ano está contingenciada. “Os militares ressentem essa falta de comprometimento com projetos de longo prazo. Veja o submarino nuclear, cada vez mais distante no futuro”, diz Jungmann, que também responsabiliza a falta de interesse parlamentar. “O Congresso não quer entender de defesa”, afirma.