Por Iolanda Ventura, da Redação
MANAUS – Em comunicado na sua página na internet e em redes sociais do Governo do Amazonas, a Seap (Secretaria de Administração Penitenciária do Amazonas) informa que está “monitorando a ação de familiares – influenciados por grupos criminosos – que planejam uma manifestação em frente à sede do órgão”. O comunicado foi repudiado por parentes de presos que pedem retratação pública e que o Ministério Público e a Defensoria Pública investiguem a postagem.
O ATUAL entrou em contato com a Seap e indagou como souberam do protesto que ainda não tem data marcada e em que consiste especificamente monitorar as ações dos que planejam a manifestação.
A Seap respondeu dizendo que “as informações não têm o objetivo de criminalizar os familiares, e sim a ação de grupos criminosos que estariam fomentando uma manifestação no sentido de desestabilizar o sistema prisional”.
A pasta informou ainda que o monitoramento se dá através do trabalho do Dipen (Departamento de Inteligência Penitenciária), que desde o ano passado detectou e impediu a entrada de drogas nos presídios, bem como fugas e rebeliões. Porém, a Seap não disse como soube do protesto e como é feito o monitoramento especificamente.
Priscila Serra, articuladora da Frente Estadual pelo Desencarceramento do Amazonas e do Coletivo Familiares e Amigos de Presos e Presas do Amazonas, classifica a nota como “absurda” pois generaliza o caso. “A gente sabe que tem familiares que já foram apreendidos com coisas ilícitas tentando entrar nas unidades. Mas o movimento de familiares não pode ser criminalizado. Isso é uma acusação muito séria que fizeram, porque eles falaram de uma forma como se todos os familiares fossem criminosos”, diz.
Priscila afirma que o protesto ainda não tem data definida e não sabe como a secretaria tomou conhecimento. “Foi uma coisa que foi conversada, não tinha nada afirmado. A gente vê isso como uma tentativa de intimidação aos familiares”, afirma.
Falhas no aplicativo
Segundo a ativista, o protesto foi uma forma encontrada para denunciar uma série de problemas no sistema de visitas aos presos. Priscila reclama da falta de previsão na liberação dos horários de agendamento. “O aplicativo ‘Visita Legal’ funciona mal. Tem gente que não consegue entrar. Eles liberam o agendamento 23h, falam que vão liberar 16h. Liberam às vezes 12h, depois liberam 19h até às 23h. Todas as pessoas se programam para aquele horário e aí eles liberam antes ou muito tempo depois. A gente trabalha, tem família, estuda”, diz.
De acordo com Priscila, a numeração informada pelo aplicativo não é a mesma presencialmente. “Você entra no aplicativo ‘Visita Legal’, você agenda a sua visita. Aí tem lá o dia, a hora e a sua classificação. A minha classificação é a número 20. Eu chego na estrada a Seap aprovou a minha visita para a ficha 129”, afirma.
Sobre estas falhas, a Seap afirma que eventualmente, o aplicativo pode passar por problemas, os quais têm sido corrigidos. Informa ainda que o Visita Legal foi criado pela pasta em 2019 para acabar com a venda de senhas na entrada do ramal do km 08 da BR-174, e dar mais conforto e segurança para os parentes que frequentam o sistema prisional.
Com a retomada das visitas presenciais, as ligações virtuais foram suspensas afetando quem não pode ir até os presídios, segundo a ativista. “Liberaram a visita e aí foi bloqueada a visita virtual. Sem querer saber se tem a mãe que é do grupo de risco, sem saber se tem o filho, porque foi proibido de entrar mulher gestante que são pessoas do grupo de risco”, diz.
“Familiares dos interiores e de fora do nosso estado não estão recebendo ligações virtuais. A Seap publicou que abriria o agendamento para o dia das crianças. A gente não consegue entrar no aplicativo. Entra, mas aparece sem datas. Filhos estão há quase um ano sem visitar o pai”, afirma.
Segundo a Seap, a informação é improcedente e as ligações virtuais continuam sendo realizadas. A pasta informa que a televisita foi criada em função da suspensão das visitas no sistema prisional devido à pandemia do novo coronavírus. O modelo foi, inclusive, adotado por várias cidades do Brasil. Portanto, não faz sentido o órgão descontinuar um serviço, que foi criado para beneficiar parentes e internos, diz a pasta.
Revista
Mesmo conseguindo marcar a visita pelo aplicativo, Priscila afirma que não é garantia de que irão entrar. Segundo ela, o body scan, equipamento usado para verificar se o visitante não leva algum material ilícito é operado por agentes sem capacitação suficiente, pois recebem treinamento de apenas 15 dias.
Priscila afirma que o equipamento consegue captar gases, miomas, cistos, DIUs (Dispositivo Intrauterino), entre outros. O aparelho identifica que é uma alteração e as agentes não sabem dizer se a alteração é devido um desses itens ou um material ilícito, impedindo a entrada das visitantes. “Elas simplesmente decidem que a gente não entra porque deu uma alteração. Eu quero ver a minha imagem, que alteração que deu. Eu uso DIU (Dispositivo Intrauterino). Olha, eu tenho cisto, eu tenho mioma. Não interessa”, diz.
“Na minha concepção, se a gente tem uma alteração, pode ser um material ilícito? Pode. Então qual é o procedimento, encaminhar para fazermos um exame de corpo de delito para ver o que é que a gente tem. Agora a mulher está vendo que é gases, porque elas falam ‘pode ser gases, mas você não vai entrar’. Pode ser mioma, pode ser uma doença”, afirma.
Devido isso, várias mulheres retornam para casa. “Foi liberado 100 visitas por ala, é o que entra. Quando alguém consegue agendar. Dessas 100, volta por conta do body scan 25 a 30 mulheres por dia”, diz a representante. “Quer dizer, mesmo se eu estiver com droga ou com uma arma, elas não vão tomar providências. A gente volta para casa, porque elas não sabem o que é, não faz o procedimento e a gente não visita o nosso ente”, reclama.
De acordo com a Seap, os equipamentos de escaneamento corporal foram trocados recentemente por máquinas modernas e de última geração. Quando a imagem apresenta alterações, o visitante tem a opção de passar por uma revista ou ir embora. Por medida de segurança, o visitante é impedido de entrar no presídio toda vez que apresentar possíveis alterações na imagem, informa.
Segundo Priscila, também retiraram a cobertura que usavam para se proteger do sol e chuva. “E quando chegamos para visitar, eles tiraram a cobertura que tinha na entrada do ramal lá na BR-174. Se vocês forem lá vão ver, a gente fica no sol. Faça chuva ou faça sol a gente não tem onde se esconder”, diz.
Sobre isto, a Seap afirma que com o agendamento on-line, os familiares podem se dirigir ao ramal no horário agendado pelo aplicativo. Segundo a secretaria, os procedimentos ficaram mais rápidos, os parentes passam por uma pré-triagem e são encaminhados diretamente para a unidade prisional que deseja visitar sem demora e longas filas.
Tentativa de contato
Priscila afirma que desde 2019 fazem manifestações de forma pacífica. “A Seap tem consciência de que já fizemos várias manifestações desde o ano passado. Já fizemos manifestação na frente da Seap, no Tribunal de Justiça, na frente do Ministério Público, no Fórum Henoch Reis. E nenhuma dessas manifestações teve violência”, afirma.
Segundo ela, outras formas de contato não deram resultados. “A gente vem tentando se reunir com autoridades locais, enviamos ofícios, pedimos reuniões, ninguém dá uma resposta para a gente”, diz.
A Seap respondeu que não impede a manifestação de familiares e está à disposição para eventuais reclamações por meio de sua Ouvidoria e dos órgãos de controle do Estado.