Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – Após gerar economia de R$ 5 milhões ao Estado do Amazonas em 2019 com a utilização de mão de obra carcerária em serviços de manutenção de prédios e praças públicas e rodovias estaduais, a Seap (Secretaria de Administração Penitenciária) estima arrecadar também esse mesmo valor em 2020 com a extensão do trabalho de presos para empresas privadas de Manaus.
De acordo com o secretário Marcus Vinícius Almeida, além de gerar receita a proposta reduzirá despesas das empresas com pessoal e diminuirá o tempo de pena do detento. “A gente espera até final do ano ter pelo menos 500 internos trabalhando e sendo remunerados. Isso vai gerar uma receita para o Estado em torno de R$ 3 milhões ou R$ 5 milhões dentro do Fundo Penitenciário”, disse Almeida.
A contratação da mão de obra carcerária é realizada através de convênio firmado entre as empresas e o Fupeam (Fundo Penitenciário do Estado do Amazonas), que gerencia o dinheiro pago pelas contratantes. Os detentos são capacitados para atuarem em serviços de limpeza, pintura, roçagem, padaria, agrícola, metalurgia e manutenção elétrica, hidráulica e de ar-condicionado.
A capacitação deles ocorre através de cursos profissionalizantes oferecidos pelas empresas de cogestão ou pelo Cetam (Centro de Educação Tecnológica do Amazonas) e Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). Antes disso, os presos passam por uma avaliação psicológica, comportamental e social feita por profissionais de serviço social e psicólogos.
Os serviços de mão de obra carcerária são prestados em espaços disponibilizados dentro dos presídios através do termo de cessão de uso. “Nós temos vários ambientes que qualquer indústria pode vir e se instalar, colocar sua linha de produção lá dentro com a redução absurda no seu processo produtivo”, disse Almeida.
Neste ano, cinco empresas já assinaram convênio para obter a mão de obra carcerária: a Label Packing Indústria de Embalagens da Amazônia Ltda., a Ibrap Indústria Brasileira de Alumínio e Plásticos S/A, a C. Freire Pinto Eireli (Peara Comércio), a Dakar Indústria e Comércio de Componentes Industriais Ltda. e a A C D Indústria e Comércio de Eletrônicos Ltda.
Dessas, apenas a Peara Comércio iniciou os trabalhos nos presídios. A companhia contratou seis detentos para trabalharem em uma padaria montada dentro do Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), no quilômetro 8 da rodovia BR-174. Os produtos fruto da mão de obra carcerária são destinados ao consumo dos presos e vendidos para o comércio de Manaus.
“É importante que o empresário entenda que é uma oportunidade nova de negócio. Nós temos espaços disponíveis, equipe técnica para auxiliar os empresários na entrada desse sistema e o mais importante: o empresário não tem relação trabalhista com o interno. Então, ele não tem risco jurídico de ser processado no futuro”, afirmou Marcus Vinícius Almeida.
A Seap tem expectativa de que as outras quatro empresas que assinaram convênio se instalem nos espaços disponibilizados nos presídios até o mês de abril deste ano. Entre os locais disponíveis para abrigar linhas de produção está um galpão de 400 metros quadrados, no CDPM 1 (Centro de Detenção Provisória Masculino 1), na rodovia BR-174.
De acordo com o secretário, nos próximos 15 dias a Seap irá publicar novo edital que contemplará, além das empresas interessadas em levar a estrutura para dentro dos presídios, as companhias que querem manter a linha de produção na zona urbana. Nesse caso, serão contratados os detentos do regime semiaberto, que podem deixar a cadeia durante o dia.
“Nós temos as pessoas que hoje usam tornozeleira eletrônica. Nós temos pessoal qualificado – esse pessoal passa por diversos cursos – que também podem trabalhar aqui fora (zona urbana de Manaus) em parceria com essas empresas”, disse Marcos Vinícius.
Remuneração
Do dinheiro referente ao pagamento pelos serviços prestados, 25% é destinado ao pecúlio – uma espécie de poupança do detento que pode ser usado para ressarcir vítimas. Além disso, 25% vai para o preso, 25% para a família dele e 25% para ações de ressocialização promovidas pelo Estado do Amazonas.
O pagamento pecuniário aos detentos foi autorizado pela Lei estadual n° 5.036/2019, que alterou o Estatuto Penitenciário do Amazonas. Além de determinar que a remuneração do preso não pode ser inferior a um salário mínimo, a lei estabelece que ele deve cumprir a jornada de, no mínimo, seis horas e, no máximo, oito horas, com descanso aos domingos e feriados.
“Isso vai possibilitar que indústrias venham para dentro do sistema prisional. Para o empresário é vantagem porque ele tem uma redução de custos absurda e a qualidade da prestação do serviço é muito boa”, afirmou o secretário.
A lei estadual estabelece que o dinheiro referente a mão de obra carcerária deve ser depositado no Fupeam, que ainda não tem caixa neste início de 2020. Segundo o secretário, antes da aprovação da lei estadual o fundo “era uma ficção”, pois não tinha movimentação financeira.
“Nunca teve (dinheiro) porque ele existia apenas enquanto mundo jurídico. Ano passado foi um ano de estruturação. Nós conseguimos criar primeiro o código da Sefaz, depois a conta corrente e, por fim, a lei que estabelece esses percentuais para que a gente pudesse pagar”, disse.
No caso da redução da pena pelo trabalho, a regra está prevista na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84). O Artigo 126, com redação dada pela Lei n° 12.433/2011, traz o seguinte teor: “O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena”.
Penas
De acordo com o secretário, de um total de 8.362 presos dos regimes fechado, provisório e semiaberto de Manaus, o número de detentos que trabalharam para redimir suas penas aumentou de 20 para 1.100.
“Ano passado, nós fizemos a manutenção da (Rodovia) AM-070, a reforma do Largo São Sebastião, que é o ícone do nosso turismo, e revitalização de delegacias, como o 1ª DIP (Distrito Integrado de Polícia), Delegacia da Mulher, Delegacia do Idoso. Fizemos a revitalização da Cavalaria, da Companhia de Operações Especiais e da Rocam”, afirmou Almeida.
Modelo
A utilização de mão de obra carcerária para serviços em órgãos públicos e empresas privadas é adotada em diversos estados, entre eles Santa Catarina, onde o secretário afirma ter buscado apoio de empresas que adotaram o modelo.
“Semana passada fui visitar uma empresa em Santa Catarina, que vai ser parceira nossa. A gente convidou ela para entender um pouco do processo deles. Eles passaram por uma crise muito grande no ano de 2013. O que salvou a indústria dele foi a parceria com o sistema prisional”, afirmou Almeida.
No estado catarinense, segundo a SAP (Secretaria de Administração Prisional e Socioeducativa), 33% dos internos do sistema prisional prestam serviços a órgãos públicos e empresas privadas. No ano passado, o projeto “Ressocialização no Sistema Penitenciário” ganhou o prêmio Innovare na categoria Destaque.
O projeto foi iniciado em 2010 pelo Grupo Berlanda na Penitenciária da Região de Curitibanos. A unidade, atualmente, mantém 100% dos presos trabalhando. Desse total, a empresa é responsável pela oferta de 40% das vagas de trabalho e as 60% restantes vêm de outras 11 empresas.
Assista ao vídeo: