Recentemente, a Polícia Civil do Amazonas prendeu uma quadrilha (seis homens e duas mulheres) suspeita de cometer uma série de roubos na capital e no interior. Entre as rapinagens, um saqueio que evidencia o quanto a criminalidade no Brasil está em um nível insano: assaltaram um hospício!
No caso, eles pilharam, no dia 3 de abril, o Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, em Manaus. De acordo com funcionários da instituição, a ação dos criminosos durou duas horas. Uma parte do grupo rendeu as pessoas que estavam na recepção com uma escopeta e fez de reféns todos os funcionários do plantão, enquanto o restante dos gatunos, encapuzados, usou um maçarico para abrir o caixa eletrônico. Foram expropriados R$ 124 mil em espécie.
Será que lá no hospício havia algum paciente atormentado pela paranoia de que o local um dia seria assaltado? E que cada vez que advertia sobre a possibilidade de um roubo era ignorado ou aumentavam a dosagem do remédio? Se sim, ocorreu o alertado pelo autor Joseph Heller: “Só porque você é paranoico, não significa que eles não estejam atrás de você!”.
Sim, algumas vezes os considerados loucos e com mania de perseguição podem estar certos. Há vários exemplos. Um dos mais famosos é do ícone do Velho Oeste americano, Wild Bill Hickok (27/05/1837 – 02/08/1876). Sempre que estava em algum saloon, Bill se recusava a se sentar de costas para a porta, temendo ser assassinado. Conforme os anos passaram, o pistoleiro começou a aceitar os conselhos daqueles que lhe diziam para ser menos paranoico e relaxar mais. Foi o que ele fez, durante um jogo de pôquer em Deadwood (Dakota do Sul), quando acabou se sentando de costas para a porta do saloon. Este foi o seu fim: foi baleado pelas costas por Jack McCall. Estava certo o escritor Don Winslow: “A paranoia é como um cinto de segurança: é quando você não a usa que você sofre o acidente”.
Outro caso curioso é o de James Jesus Angleton (09/12/ 1917 – 11/05/1987), chefe da contraespionagem da Agência Central de Inteligência (CIA), de 1954 a 1975. Ele foi acusado por seus colegas de sofrer de paranoia aguda por suspeitar de um complô absurdo: que existiriam espiões americanos mancomunados com agentes soviéticos. O tempo mostrou que realmente existiam agentes duplos na CIA, que repassavam segredos importantes aos soviéticos e israelenses. Alguns dos vira-casacas descobertos: Aldrich Ames, Robert Hanssen, Jonathan Pollard, e Christopher Boyce.
Também tinha obsessão com comunistas o senador de Wisconsin, Joseph McCarthy (14/11/1908 – 02/05/1957). Por causa dele, foi até criado um termo, o “macarthismo”, para designar uma perseguição exagerada, radical e histérica. Isso porque o senador acreditava que havia uma conspiração soviética para implantar o comunismo nos EUA. Ele chegou a acusar centenas de pessoas do departamento do Estado, do exército americano e até atores, roteiristas e diretores de Hollywood de fazerem parte da trama.
Depois, documentos interceptados da KGB revelaram, por exemplo, que comunistas americanos (e soviéticos infiltrados) roubaram o segredo da bomba atômica do governo dos Estados Unidos e, a partir dos dados obtidos, puderam construir sua própria arma nuclear.
Além disso, documentos como o do Projeto Venona – cujo esforço de decifração dos códigos durou de 1943 a 1980 – mostraram ainda que muitos dos que estavam na lista negra de McCarthy eram realmente agentes infiltrados pagos por Moscou. O senador tinha errado a quantidade, mas estava certo sobre a existência da conspiração comunista.
Há ainda o caso do guru dos hackers, Richard Matthew Stallman, o RMS. O ativista lutou para a criação e a proliferação do uso de sistemas operacionais livres (tipo o Linux e Android) como forma de evitar que o cidadão comum fosse espionado por governos e corporações maléficas quando usasse o telefone ou a internet.
Há alguns anos, a ideia do governo americano estar monitorando os e-mails enviados e recebidos por um brasileiro, por exemplo, só podia ser um pensamento delirante crônico. Os escândalos da Wikileaks e de Snowden, entretanto, expuseram que os serviços de inteligência de países e softwares de empresas são “seguidores” indesejados de internautas, pois realmente inspecionam e desrespeitam a privacidade das pessoas. Ninguém mais chamou RMS de paranoico depois disso.
Se há um evento pelo qual o brasileiro é louco, este é a Copa do Mundo. Nesse momento, o povo vira “maluco beleza” e acha lógico acreditar em alguma conspiração “soviética” da Fifa para determinar o vencedor do Mundial na Rússia. Ou desenvolver a paranoia de que toda ação feita fora ou dentro da internet será observada pelos jogadores e influenciará os rumos do torneio.
Na Copa, todo torcedor cria listas negras e macarthistas. Cada jogador que erra é considerado agente infiltrado do inimigo. É quando “ser lúcido” significa adotar atitudes como se recusar a se sentar em determinado lugar, temendo um destino fatal para a Seleção.
É claro que um evento como a Copa merece muita atenção. É bom, porém, manter a cautela; evitar ficar de “costas para o saloon”, pois aqui neste hospício chamado Brasil os assaltos não são raros.
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