Por Jullie Pereira, da Redação
MANAUS – Retorno de aulas presenciais nas escolas públicas e particulares do Amazonas deveriam ocorrer após a implantação de testagem em massa do coronavírus para avaliar possíveis infectados e medidas de prevenção. É o que defende o médico Marcus Vinitius Guerra, doutor em infectologia e diretor-presidente da FMT (Fundação de Medicina Tropical Dr Heitor Vieira Dourado). Ele avalia que a faixa etária dos estudantes foi a menos atingida até o momento, o que não livra as crianças e adolescentes do risco de contágio.
“A cautela e o monitoramento escolar é fundamental nesse momento, pois a faixa etária dos escolares é exatamente a que menos foi infectada o que, se por um lado mostra que a quarentena funcionou nesse grupo, por outro os deixa como suscetíveis, significando que as medidas de evitar o contágio devem ser aplicadas rigorosamente”, diz o médico.
Para Guerra, esse risco seria menor se houvesse um projeto de testagem em massa. “Nos parece que temos ainda um grande número de suscetíveis, só poderíamos ter mais segurança se um grande programa se testagem for realizado e que permita avaliar o número de infectados e de suscetíveis”.
O professor Cleverson Redivo, presidente da Associação Amazonense de Medicina do Trabalho, corrobora a opinião de Guerra sobre a importância dos testes em professores e alunos. “Sem uma testagem em massa para saber quais são as pessoas que estão contaminadas ou que já passaram pelo período de transmissão seria muito difícil a gente voltar de forma segura as aulas no Amazonas. Precisamos ter um pouco mais de preocupação”, disse.
O médico, que faz atendimento de pacientes de coronavírus, explica que mesmo os que passaram pelo período de transmissão, ainda apresentam danos. “Dos 100 pacientes que atendo por semana, de 10 a 15 ainda têm sequelas. A gente consegue evidenciar claramente que não é padrão, as pessoas não reagem de forma linear, a gente acha que o cara é saudável, pratica esporte e quando você vê a pessoa ainda tem o vírus”, disse.
Redivo faz diversos questionamentos que deveriam ser respondidos antes de um retorno dos alunos ao ambiente escolar, como por exemplo: os alunos vão receber teste rápido? Passar por uma pesquisa de avaliação de estresse, condição pós-traumática? Como fazer a avaliação epidemiológica desses alunos em sala de aula?
São dúvidas comuns também a educadores e pais que ainda não têm ideia de como as aulas podem retornar sem colocar crianças e adolescentes em risco.
Há 8 anos Josué Vieira é professor na Seduc (Secretaria de Educação). Formado em Língua Portuguesa, atualmente é responsável por alunos no CEJA Profa. Jacira Caboclo da Costa, zona centro-sul de Manaus. A retomada das aulas o preocupa pela falta de estrutura das salas e dos corredores da instituição. “ Nossas escolas não possuem estrutura básica para implementação das medidas sanitárias recomendadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde)”, disse.
Avaliando a sua turma de alunos, Josué considera a dificuldade em aplicar e fiscalizar as medidas de higiene dentro das salas de aula. Segundo o professor, não vai ser possível usar as mesmas medidas seguidas por adultos, “muito menos nas crianças abaixo de 10 anos”.
Apesar das críticas ao programa ‘Aula em Casa’, estabelecido em março pela Seduc, na avaliação do professor a estratégia salvou vidas durante a pandemia e precisa ser ajustada com garantias de alimentação e acesso à Internet aos pais e estudantes. “Mesmo não concordando com a arbitrariedade imposta pela Seduc para o ensino remoto, devo avaliar que essa iniciativa salvou vidas no momento mais crítico”, disse.
Para o professor, a Seduc deveria investir em apoio assistencial aos estudantes, devido aos impactos que o coronavírus causou no estado. “A seduc deve ter a sensibilidade de entender que a educação na pandemia pede muito mais um esforço assistencial do que exclusivamente pedagógico e administrativos”, disse.
Propostas de retorno
Em audiência com o Ministério Público do Amazonas (MPAM), O Conselho Estadual de Educação (CEE/AM) expediu resolução com normas orientadoras para o retorno das atividades presenciais, que ainda estão em discussão entre os órgãos e entidades de professores. A resolução foi assinada pelo secretário interino Luís Fabian.
Entre as normas propostas, a Secretaria estabelece o retorno das atividades de forma híbrida (presencial e não presencial) e define que as escolas são responsáveis por fornecer ferramentas e materiais aos estudantes, podendo a instituição computar a carga horária das atividades feitas durante o isolamento, além de formular, cada uma, um plano de ação escolar para a continuidade das atividades.
A Seduc ainda estabelece que os alunos terão a liberdade de optar por não retornar às aulas presenciais, “seja por escolha ou por força de se enquadrar nas situações legais de risco”. Essa recusa deve ser apresentada formalmente pelo aluno ou por um responsável, conforme a proposta da secretaria.
Outra sugestão é que se faça um levantamento entre os professores e alunos para verificar as pessoas que estão em grupos de risco ou infectadas pelo coronavírus. A avaliação das estruturas físicas das escolas também deve acontecer. Apesar disso, a resolução não cita uma proposta de testagem em massa e não esclarece como os infectados serão diagnosticados.
As medidas de higiene sugeridas pela Seduc incluem kit individual de utensílios descartáveis, máscaras, pias com sabão líquido, a proibição de atividades coletivas em teatros e quadras, dentre outras normas.
A promotora Delisa Vieiralves, da 59ª PRODHED (Promotoria Especializada na Proteção e Defesa dos Direitos Constitucionais do Cidadão) que está participando das audiências com técnicos da Seduc e dos sindicatos de professores, avalia que algumas das propostas sugeridas pela Secretaria têm falhas que podem ser corrigidas.
“Temos uma preocupação em relação a como cada escola vai fazer seu plano de ação, definindo o que vai ser aproveitado ou não, como vão ser as avaliações e também como vão usar o sistema híbrido. Me parece que eles colocam a responsabilidade para as unidades de ensino disponibilizar ferramentas. Como que a unidade de ensino vai disponibilizar ferramenta? De repente o aluno precisa de TV, celular, Internet, como o aluno vai ter acesso à isso? Só o fato de ter a TV não significa que os alunos vão ter condições de ter acesso”, disse.
Vieiralves também considera problemática a possibilidade do aluno escolher não retornar para as aulas presenciais. “A outra questão que a gente coloca aqui é que tem uma parte que ele diz que o aluno pode decidir se prefere ficar em casa, então achamos um pouco temerário o aluno escolher e não o pai ou responsável, acredito que isso precisa ser discutido”
Segundo a promotora essas e outras questões que não estão definidas na resolução apresentada pela Seduc serão discutidas e avaliadas em reunião na próxima semana, que deve então esclarecer como esse retorno acontecerá.
Eu prefiro voltar pra escola é muito melhor