
Da Folhapress
SÃO PAULO – A Receita Federal divulgou nota neste sábado (4) detalhando o caso das joias trazidas da Arábia Saudita em comitiva do Ministério das Minas e Energia que foram retidas no Aeroporto Internacional de Guarulhos em 2021 e que são avaliadas em R$ 16,5 milhões.
O órgão disse que os fatos foram informados ao Ministério Público Federal e que está à disposição para prosseguir nas investigações, “sem prejuízo da colaboração com a Polícia Federal, já anunciada pelo ministro da Justiça”.
No comunicado, a Receita abordou os procedimentos para incorporação de presentes trazidos do exterior e afirmou que o governo de Jair Bolsonaro não os seguiu nesse sentido naquela ocasião.
De acordo com o órgão, a incorporação de um presente do tipo trazido do exterior ao patrimônio da União “exige pedido de autoridade competente, com justificativa da necessidade e adequação da medida, como por exemplo a destinação de joias de valor cultural e histórico relevante a ser destinadas a museu”.
“Isso não aconteceu neste caso. Não cabe incorporação de bem por interesse pessoal de quem quer que seja, apenas em caso de efetivo interesse público”, disse a nota.
No caso das joias trazidas da Arábia Saudita, disse, o prazo para regularização dos objetos retidos se encerrou em julho de 2022.
“Na hipótese de agente público que deixe de declarar o bem como pertencente ao Estado brasileiro, é possível a regularização da situação, mediante comprovação da propriedade pública, e regularização da situação aduaneira. Isso não aconteceu no caso em análise, mesmo após orientações e esclarecimentos prestados pela Receita Federal a órgãos do governo.”
O caso foi revelado na sexta-feira (3) pelo jornal O Estado de S. Paulo. A reportagem mostrou que o ex-ministro Bento Albuquerque disse que a remessa era um presente para a primeira-dama Michelle Bolsonaro, mas afirmou desconhecer o conteúdo do estojo de joias.
Procurado posteriormente pela reportagem, negou que sua equipe tenha tentado trazer presentes caros destinados a Bolsonaro e a Michelle.
Em nota neste sábado (4), a assessoria do ex-ministro disse que, diante dos valores “histórico, cultural e artístico” dos itens, a pasta adotou medidas para encaminhar o acervo “ao seu adequado destino legal” -o que é contestado agora pela Receita.
O que disse Bolsonaro
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disse neste sábado (4) não ter pedido nem recebido qualquer tipo de presente em joias do governo da Arábia Saudita. Bolsonaro se refere a ele especificamente, ao negar envolvimento no caso.
Após um evento nos Estados Unidos neste sábado, ele disse que não providenciou a ida de integrantes da FAB (Força Aérea Brasileira) para tratar da liberação das joias nem abusou de sua autoridade no cargo.
“Eu agora estou sendo crucificado no Brasil por um presente que não recebi. Vi em alguns jornais de forma maldosa dizendo que eu tentei trazer joias ilegais para o Brasil. Não existe isso”, afirmou.
Ele acrescentou também: “Isso aconteceu três dias depois da chegada da comitiva do ministro das Minas e Energia. Me acusam, me crucificam por um presente que eu não recebi nem a primeira-dama. Até o valor daquilo foi uma surpresa para mim, [R$] 16 milhões que estão dizendo. Não sei, pode até ser que seja verdade.”
Mais cedo neste sábado, Bolsonaro já havia dito à CNN Brasil que está sendo acusado por causa de um presente que não pediu nem recebeu. “Não existe qualquer ilegalidade da minha parte. Nunca pratiquei ilegalidade. Veja o meu cartão corporativo pessoal. Nunca saquei nem paguei nenhum centavo nesse cartão”, disse Bolsonaro à rede de TV.
Em rede social, Michelle negou ser a destinatária das joias, mas não deu mais explicações e ironizou: “Quer dizer que ‘eu tenho tudo isso’ e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo hein?! Estou rindo da falta de cabimento dessa impressa [sic] vexatória”, postou no Instagram.
O governo Bolsonaro tentou reaver um conjunto de joias e relógio presenteado pelo governo da Arábia Saudita sob a alegação de que os objetos seriam analisados para incorporação “ao acervo privado do Presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República”.
A informação consta em documentos publicados em redes sociais pelo ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social na gestão Bolsonaro, Fabio Wajngarten.
Os artigos de luxo estavam na mochila de um militar, que à época era assessor do então ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia). As peças foram apreendidas pela Receita Federal em outubro de 2021.
O militar responsável pela mochila compunha a comitiva de Albuquerque, que esteve em Riade -capital do país árabe – de 22 a 25 de outubro de 2021, segundo sua agenda oficial. Nesse período, Bolsonaro estava no Brasil, onde participou de almoço na Embaixada da Arábia Saudita em Brasília no dia 25.
Em nota na manhã deste sábado (4), a assessoria do ex-ministro corroborou os documentos de Wajngarten e disse que, diante dos valores “histórico, cultural e artístico” dos itens, a pasta adotou medidas para encaminhar o acervo “ao seu adequado destino legal”.
“Tratavam-se de presentes institucionais destinados à Representação brasileira integrada por Comitiva do Ministério de Minas e Energia -portanto, do Estado brasileiro; e que, em decorrência, o Ministério de Minas e Energia adotaria as medidas cabíveis para o correto e legal encaminhamento do acervo recebido”, disse.
O texto também nega que o ministro tenha tentado “induzir, influenciar ou interferir” nas ações da Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos, quando sua comitiva chegou da Arábia Saudita e os artigos de luxo foram retidos.
A ação da Receita Federal na alfândega foi confirmada pelo ministro Paulo Pimenta, da Secretaria Especial de Comunicação Social do governo Lula (PT), que publicou em rede social, ainda na sexta-feira, fotos dos artigos de luxo apreendidos e de um documento que relata o ocorrido na alfândega do aeroporto de Guarulhos (SP).
Na madrugada deste sábado (4), Wajngarten reagiu com a publicação dos documentos que solicitam a liberação dos itens para avaliação e eventual incorporação ao acervo.
Um dos atos tem data de 29 de outubro de 2021, embora tenha sido efetivamente assinado em 3 de novembro do mesmo ano. O autor é Marcelo da Silva Vieira, chefe de gabinete adjunto de Documentação Histórica do gabinete pessoal do presidente da República.
No texto, endereçado ao chefe de gabinete do ministro de Minas e Energia, José Roberto Bueno Júnior, há o pedido de encaminhamento das joias para avaliação.
Outro ofício, emitido pelo gabinete de Bento Albuquerque em 3 de novembro de 2021, mas que não teve a assinatura exposta por Wajngarten, foi expedido ao chefe de gabinete do Secretário Especial da Receita Federal, Antônio Márcio de Oliveira Aguiar.
O assunto do texto era “liberação e decorrente destinação legal adequada de presentes retidos por esse Órgão, que foram ofertados por ocasião de eventos protocolares no exterior”.
O ex-secretário também publicou um documento em inglês, no qual Albuquerque comunica ao ministro de Energia da Arábia Saudita que os itens seriam “incorporados ao acervo oficial brasileiro”.
A Receita Federal não respondeu aos questionamentos da reportagem. O advogado Frederick Wassef, defensor do ex-presidente, disse que não comentaria.
Na noite de sexta-feira, o ministro da Justiça e Segurança Pública de Lula, Flávio Dino, disse que vai acionar a Polícia Federal para apurar o caso.
“Fatos relativos a joias, que podem configurar os crimes de descaminho, peculato e lavagem de dinheiro, entre outros possíveis delitos, serão levados ao conhecimento oficial da Polícia Federal para providências legais. Ofício seguirá na segunda-feira”, afirmou.
Abaixo, a nota da Receita Federal sobre o caso:
“Acerca das notícias veiculadas inicialmente no jornal O Estado de São Paulo sobre a apreensão de joias no Aeroporto Internacional de Guarulhos, no dia 26/10/2021, a Receita Federal esclarece o seguinte, preservando dados protegidos por sigilo:
- Todo cidadão brasileiro sujeita-se às mesmas leis e normas aduaneiras, independentemente de ocupar cargo ou função pública.
- Os agentes da Receita Federal atuantes na aduana são servidores de Estado, com prerrogativas e garantias constitucionais que lhes garante isenção e autonomia no exercício de suas atribuições legais.
- Todo viajante que traga ao país bens pertencentes a terceiros deve declará-los na chegada, independentemente de valor.
- No caso de bens pertencentes ao próprio portador, devem ser declarados aqueles em valor acima de US$ 1 mil, limite atualmente vigente.
- Caso não haja declaração de bem, é exigido 50% do valor a título de tributo, acrescido de multa de 50%, reduzida pela metade no caso de pagamento em 30 dias.
- Na hipótese de agente público que deixe de declarar o bem como pertencente ao Estado Brasileiro, é possível a regularização da situação, mediante comprovação da propriedade pública, e regularização da situação aduaneira. Isso não aconteceu no caso em análise, mesmo após orientações e esclarecimentos prestados pela Receita Federal a órgãos do governo.
- Não havendo essa regularização, o bem é tratado como pertencente ao portador e, não havendo pagamento do tributo e multa, é aplicada a pena de perdimento, cabendo recursos cujo prazo, no caso, encerrou-se em julho de 2022.
- Após o perdimento, é possível, em tese, o bem ser levado a leilão, sendo que 40% do recurso arrecadado é destinado à seguridade social e o resto ao tesouro. É possível também, em tese, a doação, incorporação ao patrimônio público ou destruição.
- A incorporação ao patrimônio da União exige pedido de autoridade competente, com justificativa da necessidade e adequação da medida, como por exemplo a destinação de joias de valor cultural e histórico relevante a ser destinadas a museu. Isso não aconteceu neste caso. Não cabe incorporação de bem por interesse pessoal de quem quer que seja, apenas em caso de efetivo interesse público.
- Os fatos foram informados ao Ministério Público Federal, sendo que a Receita Federal colocou-se à disposição para prosseguir nas investigações, sem prejuízo da colaboração com a Polícia Federal, já anunciada pelo Ministro da Justiça.
- Finalmente, a Receita Federal saúda os agentes da aduana que cumpriram seus deveres legais com altivez, cortesia, profissionalismo e impessoalidade, honrando a instituição a que pertencem.”