Por Guilherme Cavalcanti, da Agência Pública
SÃO PAULO – Lidar com a seca representa um desafio de diferente nível de dificuldade para uma população que vive no litoral brasileiro ou no interior. O mesmo vale para a velocidade de recuperação de regiões financeiramente beneficiadas ou muito pobres após eventos de extremos climáticos, como, por exemplo, enchentes. Não seria lógico, então, esperar que uma mesma solução atenderia a diferentes realidades, mas não é isso que vem sendo praticado nas agendas políticas Brasil adentro.
Essa é uma das conclusões evidenciadas pelo professor de gestão ambiental da Universidade de São Paulo (USP) Pedro Henrique Campello Torres, em seu novo livro Justiça climática em regiões costeiras no Brasil, que mostra como a desigualdade tem ficado de fora da agenda climática, em especial nos municípios litorâneos, que concentram a maior parte da população, numa faixa de até 150 km do oceano Atlântico, em 17 das 27 unidades federativas.
Atenção ao tempo de reação, soluções com características locais e escuta ativa da população afetada, considerando sua diversidade, estão entre as principais necessidades de um plano de ação que promova justiça climática. O conceito é explicado pelo professor utilizando o caso de São Sebastião (SP), município atingido por um temporal que deixou 64 mortos em fevereiro de 2023.
“A maioria dos atingidos era homens e mulheres pretas e periféricas, né? E mais do que isso. […] Os autores do capítulo voltaram lá seis meses após a tragédia-crime e a parte da área periférica que tinha sido atingida se mantinha muito parecida com a época da tragédia. A área dos moradores da orla já estava totalmente recuperada. Então, de maneira muito clara, a gente consegue comprovar essa nossa visão sobre o que é a [in]justiça climática”, destaca Torres.
“Quando a gente opta por uma área da cidade, do estado, da região, para fazer uma ação de adaptação do nosso clima, por exemplo, em face de outras, essa escolha é política também. E se a gente elege uma área que não é uma área onde estão as principais vulnerabilidades, a gente está, ao invés de resolvendo esse problema, perpetuando, colocando em mais risco ainda essas pessoas”, completa.
Entre os planos analisados estão os de municípios como Fortaleza, Rio de Janeiro e Santos (SP). Segundo o professor, um plano de ação justo e eficaz deve não apenas identificar ações, mas considerar as pessoas afetadas e a infraestrutura disponível, em especial nos territórios mais vulneráveis.
Vários municípios vêm colocando a agenda climática em seus pontos de ação. Um exemplo que Torres destaca é o Recife, cujo Plano Local de Ação Climática (Plac) prevê, por exemplo, garantir, até 2037, fontes renováveis de energia elétrica para todo o município. O projeto visa às comunidades mais afetadas pelas mudanças climáticas ao incluir questões como redução de riscos, saúde, segurança alimentar e hídrica, além de buscar desenvolvimento econômico acessível especialmente aos grupos tradicionalmente marginalizados.
Outros planos que incorporam a justiça climática em suas diretrizes estão em fase de elaboração, como o Plano Estadual de Adaptação e Resiliência Climática (Pearc), de São Paulo, e o Plano Clima, em âmbito nacional. O pesquisador destaca, no entanto, que a agenda deveria estar presente nas eleições municipais: “Esse é um debate que tem tudo a ver com a escala local também, e que deveria ser mote para que a sociedade civil possa fomentar esse debate do ponto de vista político, e se interessar nisso para que esse tema não seja apenas o momento da tragédia”.
Atualmente, 1.641 municípios estão em alto ou muito alto risco de desastres relacionados a chuvas, segundo a plataforma AdaptaBrasil, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Nesses locais, comunidades vulneráveis, formadas em geral por pessoas pretas, pobres e mulheres, estão entre as mais expostas e enfrentam maiores dificuldades para se recuperar. Assim, perpetua-se um ciclo de pobreza e exclusão social intensificado a cada evento.
Torres alerta ainda que os desastres por extremos climáticos não resultam apenas da falta de infraestrutura adequada, mas de uma marginalização histórica. “As áreas mais afetadas pelo alagamento eram as áreas de moradia de pretos e pardos […] e com a renda censitária menor. […] O que a gente precisa, justamente para evitar isso, é colocar esses territórios como os territórios de prioridade”, explica.
Coautor de Justiça climática em regiões costeiras no Brasil, o pesquisador em governança ambiental da USP Marcos Tavares destaca que a ausência de uma agenda climática nos discursos eleitorais traz “impactos muito sérios”, pois, independentemente do planejamento dos municípios, eventos de extremos climáticos continuarão a ocorrer e, por isso, é preciso pensar na parcela mais afetada pela desigualdade. “Infelizmente, é quase que um status quo do brasileiro negligenciar essas populações”.