EDITORIAL
MANAUS – O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), ao disparar, na noite de sexta-feira (15), contra o retor da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), chamando-o de “bandido”, apresentou em sua defesa o fato de ter destinado dinheiro para o pagamento do auxílio emergencial e para financiar os investimentos em saúde nos Estados na pandemia de Covid-19.
O problema é que, paralelo à destinação de recursos públicos, Bolsonaro se comportou de forma totalmente inadequada a um chefe de estado, remando em sentido contrário no combate à pandemia.
Não custa lembrar que o governo enviou ao Congresso proposta de auxílio-emergencial de R$ 200. Foi o Congresso que elevou o valor para R$ 600, muito a contragosto de Bolsonaro.
Os fatos recentes são reveladores de que nem sempre garantir dinheiro é suficiente. O bom exemplo, muitas vezes, é mais importante. É comparável a uma família, em que não basta simplesmente o mantenedor destinar parte do salário para custear as despesas da casa, precisa estar presente e conviver harmonicamente com todos.
Foi exatamente o que o presidente da República não fez durante a pandemia. Bolsonaro foi contra praticamente todas as ações adotadas pelos governos estaduais e prefeitos, quando ainda não havia vacina e a doença matava os brasileiros como jamais se viu neste século.
Primeiro, quando os governadores e prefeitos, seguindo uma prática adotada por países europeus, decidiram reduzir a circulação de pessoas nas ruas para frear a contaminação pelo novo coronavírus, Bolsonaro pregou o contrário e chegou a recorrer à Justiça para impedir as restrições decretadas por estados e municípios.
A justificativa do presidente era de que a economia não poderia ser prejudicada pela pandemia. Sua pregação, neste sentido, encorajou boa parte dos brasileiros a desrespeitarem as normas adotadas pelos gestores estaduais e municipais, o que também levou muita gente a contrair a doença e a morrer.
Segundo, quando os estados e municípios, orientados por cientistas e médicos, passaram a obrigar o uso de máscaras nas ruas e em locais públicos, Bolsonado, de novo, foi contra, e passou a desdenhar da medida e a pregar o desrespeito a ela. Também passou a não utilizar o acessório em cerimônias oficiais, levando uma legião de seguidores a fazer o mesmo.
O uso da máscara é uma medida importante que não exige grandes esforços da população. Para muitos brasileiros, a confecção do acessório se tornou uma fonte de renda. Mesmo assim, o presidente não se convenceu de que deveria apoiar a medida.
Terceiro, o presidente da República, na contramão do mundo, passou a desdenhar das vacinas que passaram a ser promessa de única medida eficaz de proteção da população contra a Covid-19.
Das piadas contra as vacinas à relutância em fechar contratos com as empresas que já disponibilizavam o imunizante, Bolsonaro atrasou e um mês a chegada das primeiras doses no Brasil.
E, diga-se, as primeiras vacinas só chegaram ao braço dos idosos e profissionais de saúde na segunda quinzena de janeiro deste ano depois de uma disputa vencida pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que apostou na produção de vacinas pelo Instituto Butantam, em parceria com a empresa chinesa Sinovac.
A CPI da Covid descobriu, depois, que a demora na compra das vacinas tinha um propósito: permitir que elas fossem compradas de empresas intermediárias, com sobrepreço e promessa de pagamento de propina para altos funcionários do Ministério da Saúde.
A CPI ainda não concluiu os trabalhos, mas as informações preliminares dão contra de que o relator Renan Calheiros vai pedir a responsabilização do presidente da República e de vários membros de seu governo pelo número de mortes acima da média mundial: mais de 603 mil vidas foram perdidas desde março de 2020 nesta pátria amada chamada Brasil.