Da Folhapress
RIO DE JANEIRO – A promotora Carmen Carvalho decidiu nessa sexta-feira, 1º, se afastar das investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL).
A decisão foi tomada após a divulgação de fotos de Carvalho em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) e ao lado do deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL-RJ), que quebrou a placa em homenagem à vereadora assassinada.
O anúncio foi feito em nota do Ministério Público do Rio de Janeiro. O órgão afirmou ainda que a Corregedoria instaurou procedimento para analisar as postagens da promotora.
Carvalho divulgou uma carta na qual diz ter optado por deixar o caso por “respeito aos pais da vítima, que já sofrem com a mais dura dor, que é a perda de um filho”.
“Não me permito que a esse sentimento se some qualquer intranquilidade motivada pela condução da ação penal, que se espera exitosa”, escreveu ela.
A promotora também classificou a divulgação de suas postagens nas redes sociais como “lamentáveis tentativas de macular minha atuação séria e imparcial, em verdadeira ofensiva de inspiração subalterna e flagrantemente ideológica, cujos reflexos negativos alcançam o meu ambiente familiar e de trabalho”.
“Durante toda a minha vida funcional, que exerço há 25 anos no Ministério Público do Rio de Janeiro, jamais atuei sob qualquer influência política ou ideológica. Toda a minha atuação é pública e, portanto, o que afirmo pode ser constatado”, diz ela na carta.
Carvalho postou em sua conta no Instagram foto vestindo camisa em apoio a Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018. Ela também manifestou emoção no dia 1º de janeiro, na posse do presidente.
“Há anos que não me sinto tão emocionada. Essa posse entra naquela lista de conquistas, como se fosse uma vitória”, escreveu ela.
Também publicou foto ao lado de Amorim na solenidade de entrega da medalha Tiradentes à promotora. A comenda foi proposta pelo deputado estadual Carlos Augusto (PSD-RJ), delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
As imagens foram divulgadas pelo jornalista Leandro Demori, editor-chefe do site The Intercept Brasil, em sua conta no Twitter.
No último 30 de setembro, a promotora ganhou uma Medalha Tiradentes na Assembleia Legislativa do Rio. “Há anos que assistimos e continuamos assistindo (a) pseudointelectuais que glamorizam o traficante, o criminosos, que de uma forma geral tem uma inversão de valores que coloca criminoso como herói e demoniza a polícia”, afirmou em seu discurso de agradecimento.
Em seguida, fez um ataque a “essa mesma linha globalista” que, a seu ver, garante “uma política da impunidade”.
“Essa política está sendo usada hoje como proteção dos direitos humanos. Está sendo usado como um escudo de impunidade. É bonitinho falar ‘estou protegendo os direitos humanos’. É lindo! Mas você está mesmo? Direitos humanos é para todo mundo.”
A promotora, que recebeu a medalha do governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), ex-aliado e hoje desafeto de Bolsonaro, disse mais à frente acreditar que há apenas “dois lados, o do bem e do mal”.
Em sua fala, também chamou de falácia o superencarceramento e afirmou querer combater a “ideologia abolicionista”: “Jamais acreditei na ideia de que criminoso é vítima da sociedade ou de qualquer tipo de desigualdade social”.
A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público veda aos promotores que exerçam “atividade político-partidária”.
Em 2016, o Conselho Nacional do Ministério Público expediu recomendação deixando expresso ser proibida “a participação de membro do Ministério Público em situações que possam ensejar claramente a demonstração de apoio público a candidato ou que deixe evidenciado, mesmo que de maneira informal, a vinculação a determinado partido político”.
A legislação, contudo, não deixa expressa sanções para a prática. A análise cabe à Corregedoria das promotorias, que têm o poder de advertir, censurar, suspender, demitir e cassar a aposentadoria dos membros do Ministério Público “em caso de negligência no exercício das funções”.
A reportagem apurou que a viúva e a irmã de Marielle, Mônica Benício e Anielle Franco, respectivamente, eram contra a permanência de Carvalho no caso. A promotora, contudo, recebeu o apoio dos pais da vereadora, Marinete da Silva e Antônio Francisco da Silva, e a viúva de Anderson Gomes, Agatha Arnaus Reis.
O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), de quem Marielle foi assessora por anos, protocolou um pedido de afastamento da promotora.
As investigações do assassinato são conduzidas principalmente pelas promotoras Letícia Petriz e Simone Sibilio, coordenadora do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado).
Carvalho entrou no caso após a denúncia contra o policial militar aposentado Ronnie Lessa e o ex-policial militar Élcio Queiroz. O objetivo era atuar na instrução do processo no 4º Tribunal do Júri.
“Sua designação foi definida por critérios técnicos, pela sua incontestável experiência e pela eficácia comprovada de sua atuação em julgamentos no Tribunal do Júri, motivos pelos quais Carmen Eliza [Carvalho] vem sendo designada, recorrentemente, pela coordenação do Gaeco para atuar em casos complexos”, diz a nota do Ministério Público.
Promotora desde 1994, sua lotação original é no 2º Tribunal do Juri da capital. Ela também integra o Gaeco. O caso mais famoso em que Carvalho atuou foi na investigação do desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza, em 2013, na Rocinha.
A promotora atuou tanto na investigação como no julgamento do caso na primeira instância, que culminou com a condenação dos 12 denunciados -quatro foram absolvidos na segunda instância.
Carvalho participou na quarta-feira (30) da entrevista coletiva em que o Ministério Público do Rio de Janeiro classificou como falso o teor do depoimento do porteiro que envolveu Bolsonaro na morte de Marielle. Essa declaração foi dada pela promotora Simone Sibilio.
Reportagem do Jornal Nacional na terça-feira, 29, apontou que um porteiro -cujo nome não foi revelado- deu depoimento dizendo que, no dia do assassinato de Marielle, Élcio Queiroz, ex-policial militar suspeito de envolvimento no crime, afirmou na portaria do condomínio que iria à casa de Bolsonaro, na época deputado federal.
Pelo depoimento do porteiro apresentado pela TV Globo, ao interfonar para a casa de Bolsonaro, um homem com a mesma voz do presidente teria atendido e autorizado a entrada. O suspeito, no entanto, teria ido a outra casa dentro do condomínio.
A promotora Simone Sibilio afirmou na quarta-feira que a investigação teve acesso à planilha da portaria do condomínio e às gravações do interfone e que restou comprovado que a informação dada pelo porteiro não procede.
O Ministério Público pediu no dia 15 perícia dos áudios -que foi concluída na quarta-feira.
Segundo a Promotoria, há registro de interfone para a casa 65 (enquanto a casa de Bolsonaro é a 58), e a entrada de Élcio foi autorizada pelo morador do imóvel, Ronnie Lessa, preso sob suspeita de envolvimento na morte de Marielle.
Na planilha de controle da portaria do condomínio, apreendida pelo Ministério Público, constava que no dia 14 de março de 2018 -quando a vereadora foi assassinada- Élcio havia ido para a casa 58, que pertence a Bolsonaro.
A Promotoria não citou hipóteses que possam explicar por que houve anotação incorreta do número da casa. Disse, apenas, que isso pode ter ocorrido por vários motivos e que eles serão apurados.
“Todas as pessoas que prestam falso testemunho podem ser processadas”, afirmou Sibilio.
O Ministério Público disse não ser possível confirmar ainda nem mesmo se a gravação registrada na portaria é do mesmo porteiro que prestou depoimento -embora diga poder afirmar que Élcio entrou uma única vez no condomínio e que, pela perícia “nos padrões vocálicos de quem autorizou”, foi confirmada a autorização dada por Ronnie Lessa.
Como a Folha de S.Paulo revelou na quinta-feira, 31, a perícia realizada pelo Ministério Público não avaliou a possibilidade de algum arquivo ter sido apagado ou renomeado antes de ser entregue às autoridades, aponta documento apresentado à Justiça.