Por Diogo Rocha, do ATUAL
MANAUS – Entre o início de 2021 e setembro de 2023, os vereadores de Manaus, eleitos e reeleitos em 2020, apresentaram 79 PLs (Projetos de Lei) para declarar de utilidade pública OSCs (Organizações da Sociedade Civil). Desde a criação da Lei 1.386, de 2009, que estabelece as normas para esta finalidade, a CMM (Câmara Municipal de Manaus) elaborou 184 proposituras desta natureza, conforme dados do SAPL (Sistema de Apoio Legislativo).
Por ano, a atual legislatura da CMM já é a recordista de PLs para considerar de utilidade pública entidades sem fins lucrativos. Em 2009 e 2010, foram seis matérias com esse intuito em cada ano. Em 2011, subiu para 9 projetos, mas no ano seguinte [2012] caiu para 4. Voltou a crescer em 2013 e 2014, respectivamente, com 15 e 13 PLs de declaração de utilidade pública e começou a variar mais em 2015 [9 PLs], 2016 [1], 2017 [3], 2018 [8], 2019 [12] e 2020 [19].
E desde 2021, após as Eleições Municipais do ano anterior, as proposituras de utilidade pública para OSCs deram um salto que ultrapassou os anos anteriores. Primeiro, foram 31 PLs desta natureza, enquanto em 2022 reduziu um pouco, com 28 PLs. No caso de 2023, até o momento os vereadores apresentaram 20 PLs para beneficiar as entidades.
Uma OSC apenas receberá verba de emendas parlamentares ou fechará contratos e convênios com o poder público se passar pelo crivo da Casa Legislativa e for sancionada com a nomenclatura de utilidade pública pelo prefeito de Manaus, David Almeida (Avante).
Para o vereador Rodrigo Guedes (Podemos), existe uma “indústria” de OSCs criadas para se tornarem de utilidade pública e garantir recursos do Município e do Estado, além das verbas de emendas dos vereadores, deputados estaduais e federais e senadores.
“Infelizmente, nós temos uma indústria de instituições sendo criadas na cidade de Manaus e no Amazonas. E essa indústria de instituições sociais, inclusive, elas tiram recursos de instituições consolidadas na nossa cidade. Nós sabemos que essa série de criação de instituições ditas sociais na maioria das vezes tem finalidade de captação de emendas parlamentares. E nas emendas parlamentares têm muitas suspeitas e denúncias”, disse Guedes.
Na sessão de quarta-feira (20) na Câmara Municipal, Rodrigo Guedes, Capitão Carpê (Republicanos) e William Alemão (Cidadania) votaram contra o PL nº 158/2022, de Jander Lobato (Progressistas), que reduz de dois para um ano o tempo de vigência exigido, para que uma entidade sem fins lucrativos ingresse com o pedido de obtenção da utilidade pública nos termos da Lei 1.386/2009. Mas a propositura recebeu aprovação da maioria dos vereadores e foi encaminhada para sanção do chefe do Poder Executivo.
Levantamento
Em consulta ao SAPL da Câmara, o ATUAL verificou que dos 31 PLs de utilidade pública para OSCs, em 2021, 22 viraram leis ordinárias. Os outros projetos estão assim: 3 arquivados por falta de sanção do Poder Executivo ou prazo expirado para recorrer de parecer de comissão; 2 retirados de tramitação pelos autores das propostas, 2 no aguardo de reuniões da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), 1 com documentação pendente e 1 na espera do parecer da CCJ.
O PL nº 597/2021, do vereador Kennedy Marques (PMN), que beneficia o AME (Instituto Amazônia Equatorial), apresentado em 8 de novembro de 2021, espera a reunião da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da CMM. A última vez que tramitou foi no dia 8 de março deste ano.
Outro projeto de lei de Marques foi retirado de tramitação a pedido do vereador após verificar que a OSC indicada já tinha se tornado de utilidade pública através de um PL [nº 544/2021], de autoria da vereadora Professora Jacqueline (União Brasil). Neste caso, a Associação dos Ativistas de Proteção Animal e Ambiental do Estado do Amazonas – Anjos de Rua Manaus.
Curiosamente, Kennedy Marques apresentou antes da colega, no dia 30 de março de 2021, o PL nº 99/2021 para transformar o “Anjos de Rua Manaus” em utilidade pública. Mas foi a propositura de Jacqueline, de 29 de setembro do mesmo ano, que avançou na tramitação e conseguiu a sanção do chefe do Poder Executivo, por meio da Lei Ordinária nº 2.871, de 18 de abril de 2022.
De autoria do vereador Elissandro Bessa (Solidariedade), o PL nº 579/2021 busca transformar em utilidade pública o IJSMF (Instituto PCD Juntos Somos Mais Fortes). De acordo com o SAPL, falta documentação comprovando que os cargos da instituição não são remunerados. A propositura é de 20 de outubro de 2021 e continua em tramitação.
Outra proposta que aguarda avanço na CMM é do vereador Rosinaldo Bual (PMN). O PL entrou no sistema em 30 de agosto de 2021 na tentativa de reconhecer como utilidade pública o Instituto Filadélfia da Amazônia. Falta o parecer do pedido de vista da matéria.
O vereador Eduardo Alfaia (PMN) tentou aplicar o status de “utilidade pública” ao Instituto Amigos da Saúde e Assistência Social Asas pela Amazônia. Mas o PL nº 263/2021, que concedia essa nomenclatura à OSC, foi arquivado depois que o prefeito David Almeida não sancionou.
A mesma situação passou o vereador Caio André (Podemos), que na época ainda não era presidente da CMM quando apresentou o PL nº 128/2021, no dia 21 de abril de 2021. A matéria pretendia considerar de utilidade pública a associação civil beneficente Grupo Escoteiro La Salle, mas o prefeito também não sancionou.
Em 2022, os vereadores apresentaram 28 projetos de lei de utilidade pública para entidades sociais. A metade destes PLs (14) foi sancionada e virou lei ordinária. Três acabaram arquivados, sendo que dois tinham a autoria do então vereador Amom Mandel (Cidadania), que atualmente é deputado federal.
Já o PL nº 200/2022 foi retirado de tramitação pelo vereador Rosivaldo Cordovil (PSDB) e arquivado. O parlamentar desistiu da ideia de garantir emendas para a Associação Sister Special – Sistema Integrado de Saúde, Trabalho, Emprego e Renda apesar de dois pareceres favoráveis da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Um era de pedido de vista.
O restante dos PLs, neste caso 11, permanece em tramitação na Câmara Municipal. Quatro estão no aguardo de pareceres de comissões e de relatores; três esperam entrar em pauta [ordem do dia] para deliberação; e quatro estão na expectativa da sanção do prefeito.
As quatro proposituras para OSCs encaminhadas para o chefe do Poder Executivo sancionar ou vetar foram aprovadas recentemente pela Casa Legislativa. No dia 23 de agosto, foi o PL nº 73/2022, do vereador Marcelo Serafim (PSB), para considerar de utilidade pública o Instituto de Saúde Comunitária Santa Clara.
No dia 28 de agosto, a bola da vez foram os PLs [de nº 380/2022 e 28/2022], dos vereadores João Carlos (Republicanos) e Rosivaldo Cordovil (PSDB), para virar de utilidade pública, respectivamente, o Instituto Social e Educacional Mackenzie e a Unive (Associação de Idosos Unidos Venceremos).
E na quarta-feira passada, 13 de setembro, o PL nº 91/2022, do vereador Antonio Peixoto (Agir36), para transformar a OSC Super Ação em utilidade pública foi o único aprovado para ser enviado à sanção do prefeito de Manaus na semana após o recesso da Semana da Pátria.
Em 2023, 20 PLs de utilidade pública para OSCs e demais entidades sem fins lucrativos foram elaborados até o momento. A maioria está nas fases iniciais de tramitação na CMM e no aguardo de pareceres ou de serem incluídas nas sessões plenárias.
Quatro são direcionados a entes da área esportiva, como: Federação Amazonense de Fisiculturismo, Musculação e Fitness [PL nº 483/2023, do vereador Diego Afonso]; Associação de Taekwondo Meninos de Ouro [PL nº 128/2023, de Eduardo Assis]; Federação Estadual de Skateboard do Amazonas [PL nº 88/2023, de Caio André]; e o Instituto Paradesportivo do Amazonas [PL nº 31/2023, do Capitão Carpê].
A única propositura apresentada neste ano que tramitou com celeridade na Câmara Municipal e já sancionada pelo prefeito foi o PL nº 104/2023, do vereador João Carlos. O projeto considera de utilidade pública o ICEAB (Instituto Central das Entidades Associativas do Brasil) e virou a Lei Ordinária nº 3.131, de 28 de agosto.
Transparência
A vereadora Thaysa Lippy (Progressistas) conseguiu que avançasse na CMM, na última semana, o Projeto de Lei nº 148/2023, que obriga a disponibilização em site oficial do Poder Executivo a lista compilada das entidades que possuem o título de utilidade pública. Após receber parecer favorável da CCJ, a matéria está sob análise da Comissão de Finanças, Economia e Orçamento.
O PL determina que esta relação de OSCs com o status de utilidade pública seja disponibilizada em arquivo único, em forma de tabela, e que informe o nome da entidade e a lei instituidora.
Conforme o texto da matéria, as entidades que possuem utilidade pública são as associações civis, as sociedades civis e as fundações privadas em que a finalidade expressa é a prestação de serviço à coletividade, de forma desinteressada e sem fins lucrativos ou caracterização comercial.
Lippy cita na justificativa do PL o artigo 3º da Lei 1.386/2009, que estabelece as normas para a declaração de utilidade pública em Manaus. Entre as regras, as entidades devem ter:
- Estatuto devidamente registrado em cartório, destacando: objetivos e finalidades da entidade; que os cargos de diretoria e do conselho fiscal não sejam remunerados; que a entidade não distribui lucros, dividendos, bonificações ou vantagens a dirigentes, mantenedores ou associados, sob nenhuma forma ou pretexto; e que, em caso de dissolução da entidade, seja o seu patrimônio repassado a outra entidade congênere ou, na sua falha, para o Poder Público;
- Inscrição no Cadastro de Pessoa Jurídica junto a Receita Federal do Brasil;
- certidão negativa de débito que demonstre adimplência junto à Previdência Social;
- relatórios pormenorizados de todas as atividades e serviços prestados à coletividade e que justifiquem a declaração de utilidade pública;
- demonstrativo contábil de receita e de despesa do período imediatamente anterior;
- apresentação de prestação de contas pormenorizadas caso receba subvenções públicas;
- ata da última eleição da diretoria e do conselho fiscal;
- atestados de idoneidade moral e de ilibada conduta dos membros da diretoria e do conselho fiscal.
As OSCs e demais entidades sem fins lucrativos também somente podem ser declaradas de utilidade pública se estiverem em exercício há no mínimo dois anos. Pelo menos por enquanto. Isso deve ser comprovado por relatórios minuciosamente detalhados das atividades, com apresentação de fotos ou gravuras que sirvam de prova da prestação de serviço à coletividade.