
MANAUS – Gleice Antonia de Oliveira, a professora que teve a palavra cerceada pelo presidente da Assembleia Legislativa do Estado (ALE), deputado Josué Neto (PSD), por fazer críticas ao governo do Estado ao relatar a situação das escolas estaduais, diz estar sendo perseguida e se sente ameaçada. Ela relatou ao ATUAL, nesta manhã que uma equipe de servidores que se identificaram como sendo da Comissão de Educação da ALE, estiveram na escola onde trabalha para pedir informações sobre ela.
Na quinta-feira, depois que o presidente Josué Neto a impediu de continuar o relato sobre a situação das escolas, o presidente da Comissão de Educação, deputado Sidney Leite (Pros), que é líder do governo na ALE, usou o microfone do plenário para informar que iria à escola em que a professora trabalha e enviaria um documento ao secretário municipal de Educação, Humberto Michilles, informando sobre a atuação dela na ALE. “Ele disse isso como se a denúncia que eu estava apresentando se referisse às escolas municipais e não às estaduais, como ficou bastante claro na minha intervenção”, disse a professora.
Gleice Oliveira disse que a atitude de Sidney Leite lhe pareceu ter um tom de ameaça. E nesta manhã ele cumpriu parcialmente o que prometeu, segundo ela. Em vez de ir pessoalmente à escola, mandou funcionários da ALE. “Hoje cedo, recebi a informação que o referido deputado presidente da Comissão de Educação da ALE, enviou seus emissários em busca de informações sobre mim, nome completo, número de matrícula, endereço, nome e endereço da escola, formação, etc. e etc”, disse a professora.
“Ela está mentindo”
Sidney Leite negou que tenha ameaçado a professora e disse que ela denunciou na ALE casos de assédio moral na escola em que ela trabalha. “Como presidente da Comissão de Educação da Assembleia, eu não posso apurar denúncias em escolas municipais, por isso eu disse que enviaria um memorando ao secretário municipal de Educação, porque ela trabalha em escola da Semed, ela não é professora do Estado”, disse.
O deputado também negou que tenha enviado servidores da Comissão de Educação à escola da professora. Despachei com os servidores da comissão hoje e não tem ninguém nesta sexta-feira visitando escola. Se ela disse que foi alguém da Comissão de Educação, está mentindo”, afirmou o parlamentar.
Sidney Leite saiu em defesa de Josué Neto e disse que ele não cerceou o direito da professora de se manifestar. “Ele apenas cumpriu o regimento”, disse.
A professora disse ter sido convidada por professores da rede estadual de ensino para expor um problema que os professores em estágio probatório estão enfrentando. De acordo com a denúncia, eles estão sendo obrigados a participar de um curso a distância (via internet) para se submeterem a uma prova que vale como avaliação do estágio probatório. Sem internet nas escolas, segundo os professores, cerca de 700 estão ameaçados de perder o emprego, porque não conseguem acompanhar as aulas. Quando falava que a propaganda do governo mostra escolas com internet e que a realidade é outra, Gleice Oliveira foi interrompida pelo presidente Josué Neto, que pedia insistentemente para que ela se ativesse ao tema. O presidente a interrompeu duas vezes e na terceira, pediu que ela encerrasse a fala.
Assista ao vídeo
Entrevista
Na noite de ontem, o ATUAL procurou a professora Gleice Antonia de Oliveira, mas por estar em um compromisso, ela pediu que as peguntas e uma entrevista pedida pela reportagem fossem enviadas por e-mail que ela responderia, o que fez na manhã desta sexta-feira. A seguir a entrevista.
Como a senhora avalia a postura do presidente da ALE que, aparentemente, tenta cerceá-la?
Sou professora de adolescentes há mais de 25 anos, e sou sindicalista há mais tempo ainda; o comportamento de adolescentes, patrões e governantes é, geralmente, de impaciência e não aceitam ouvir os outros, segue um padrão que conhecemos bem. A eles, adolescentes, perguntamos: você sabe por que temos duas orelhas e só uma boca?
A senhora se se sentiu censurada?
Não, eu não me senti, eu efetivamente fui censurada e por várias vezes até que, finalmente, o deputado Josué determinou que eu encerrasse o meu relato. Assim de simples! Sim, houve uma clara tentativa de que eu não apresentasse o tema para a qual fui designada por meus pares e sabe porque? Porque eles são ameaçados pelos gestores das escolas onde trabalham. Vejamos. Primeiro o presidente, deputado Josué, não nos permitiu apresentar o tema durante o pequeno expediente; depois exigiu uma solicitação por escrito, quando vários deputados (José Ricardo Wendling, Luiz Castro, Conceição Sampaio, Sinésio Campos, Marcelo Ramos e outros que já não recordo o nome neste momento) já haviam se pronunciado cedendo seu tempo. O deputado Ricardo cumpriu a exigência e apresentou a solicitação com meu nome expresso com todas as letrinhas. No entanto, o deputado Josué convocou a minha colega e não a mim para apresentar o tema, conforme explicitava com todas as letrinhas o documento assinado pelos deputados Ricardo, Luis e Conceição. Por que? Essa é uma pergunta que não quer calar! Na sequência, o deputado Josué tentou, veja TENTOU (e não conseguiu!) me desestabilizar e desqualificar cerceando minha argumentação para demonstrar a inconstitucionalidade do Governo do Estado, através da sua Secretaria de Educação, em exigir o que não tem amparo na Constituição e nem no Edital do Concurso e, pior, cobrando duas horas de trabalho GRATUITOS e fazendo os trabalhadores da educação PAGAR por um serviço que DEVERIA ter nas Escolas Estaduais, mas que na verdade NÃO EXISTE. Não existe na maioria da escolas de Manaus e no interior é apenas um blefe.
A senhora acredita que a postura do presidente se dê por conta do processo eleitoral?
Para ser absolutamente sincera, não penso que esse tipo de comportamento seja um fenômeno típico de período eleitoral. Arrogância e a prepotência fazem parte do cotidiano dos que representam o poder e nunca o povo.
A senhora tem algum envolvimento com política partidária?
Esta luta, como todas as lutas de categorias de trabalhadores não envolve partidos políticos. Evidentemente que as pessoas individualmente tem suas opções, fazem suas reflexões e suas escolhas e é importante que seja assim. Escolher um partido e trabalhar pela sua construção, suas propostas e seus candidatos demonstra que essa pessoa não é alienada, tem maturidade, enxerga os problemas da nossa sociedade e se sente comprometida com mudanças. Não sou hipócrita de dizer que o trabalhador que atua no movimento sindical deve ser apolítico, muito pelo contrário, lutar por melhores condições de trabalho, de salário e de vida, é fazer política.
É filiada a alguma partido?
Sim, sou filiada (não informou o partido).
A senhora foi convidada para participar desta sessão ou a senhora solicitou a cessão de tempo do deputados?
Fui convidada, mas se tivesse que solicitar o faria sem o menor constrangimento. Tenho o entendimento que o parlamento é um dos espaços que o movimento dos trabalhadores e sociais em geral pode e deve usar para expressar suas reivindicações.
E a quem foi solicitado?
O deputado José Ricardo Wendling ouviu relatos de colegas que passam por essa terrível situação e, pessoa humana que é e sempre disposto a colaborar com a luta dos trabalhadores da educação, oportunizou a apresentação do tema no plenário.
Em que escola ou instituição a senhora trabalha?
Sou professora de vida inteira junto com outras atividades. Fui concursada primeiro na rede estadual do Amazonas, depois nas redes estadual e municipal de São Paulo. Atualmente estou na rede municipal, na Escola Maria do Carmo, na Zona Leste de Manaus.
Quero finalizar dizendo que ao contrário do que alguns pensam, me sinto inteiramente à vontade para falar do funcionamento das redes pública (estadual e municipal) e privada e isso por dois fatos: 1. Nós professores devemos conhecer tudo, ou pelo menos o máximo do que se relaciona ao nosso ofício e à nossa militância. Só identificando o que não funciona é que poderemos pensar em como superar para poder produzir Educação de qualidade 2. Para sobreviver com o mínimo de dignidade, temos que trabalhar nas 3 redes, portanto, impossível trabalhar numa rede e não conhecer o seu funcionamento.