Por Fábio Pupo e Thiago Resende, da Folhapress
BRASÍLIA – A tentativa do Palácio do Planalto de substituir nomes de dirigentes da Receita Federal levou à troca do número dois do órgão.
O subsecretário-geral da Receita, João Paulo Ramos Fachada, será substituído pelo governo Jair Bolsonaro por se posicionar de forma contrária às interferências. A troca de Fachada teve aval do secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra.
Fachada era um nome respeitado entre auditores e participava de discussões importantes, como a da reforma tributária. A tendência, no entanto, é de uma troca mais ampla na cúpula da Receita.
O clima no órgão é de insurreição contra a tentativa de interferência política por parte presidente Jair Bolsonaro e do núcleo próximo a ele.
A Receita Federal costuma reagir em situações de pressão política por troca de cargos. Atualmente, está sofrendo pressões dos três Poderes após investigações sobre autoridades.
Auditores-fiscais estão surpreendidos com o atual nível de ataques e interferências no órgão, principalmente por partirem do próprio Palácio do Planalto.
Desde que assumiu a presidência da República, Bolsonaro contesta ações de órgãos de controle para investigar seu núcleo familiar e pessoas próximas -Renato Bolsonaro, irmão do presidente; o senador Flávio Bolsonaro (PSL), filho do presidente; e Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio.
“Quando ele escolheu vir para a vida pública, fazia parte do pacote que toda sua família estaria sujeita a uma maior fiscalização. Ele diz que é perseguição, mas, na verdade, é consequência de tratados internacionais que o Brasil assinou”, afirmou o presidente da Unafisco (associação nacional dos auditores-fiscais da Receita), Mauro Silva.
Neste sábado, 17, em mensagem a colegas, o delegado da alfândega do Porto de Itaguaí, José Alex Nóbrega de Oliveira, expôs o embate por posições estratégicas na região metropolitana do Rio de Janeiro e que já apresentou histórico de corrupção.
Ele declarou ter sido surpreendido há cerca de três semanas, quando o superintendente da Receita no Rio de Janeiro, Mario Dehon, o teria informado que havia uma indicação política para assumir a alfândega do porto. Dehon não concordou em substituir Oliveira por um auditor com pouca experiência para o cargo.
O indicado seria o auditor fiscal Gilson Rodrigues de Souza, que tem mais de 35 anos de experiência de fiscalização em Manaus (Amazonas), mas sem atuação na área de alfândega.
A reportagem entrou em contato com Souza. Ele, porém, se recusou a responder aos questionamentos. “Se eu soubesse que era da imprensa, eu nem teria atendido. Essas são questões internas”, disse.
Por não ter cedido à pressão, Dehon, agora, está ameaçado de ser exonerado, conta Oliveira. Os dois se reuniram nesta segunda, 19, no Rio de Janeiro.
Outro cargo que está na mira do governo é de Adriana Trilles, que trabalha na delegacia da Receita na Barra da Tijuca.
Irritado com investigações conduzidas pela Receita, Bolsonaro tem reclamado publicamente da atuação do órgão e tem atuado para que as trocas sejam feitas no Rio de Janeiro. Procurado, o Planalto não se manifestou sobre o caso.
Diante das interferências políticas, o movimento de rebelião na Receita deve começar, portanto, de cima para baixo – partindo da cúpula em Brasília.
Isso pode resultar no travamento de atividades do Fisco, responsável pela arrecadação de tributos, além das discussões para que o governo envie a própria proposta de reforma tributária ao Congresso. A interferência explícita no órgão surpreende até mesmo auditores-fiscais com anos na carreira.
A cúpula da Receita é formada pelo titular da secretaria especial, Cintra, e por seu secretário adjunto Marcelo de Souza Silva. Cintra costuma mostrar uma postura de alinhamento com o governo. Após Bolsonaro anunciar que indicaria o filho para embaixador nos Estados Unidos, por exemplo, o chefe da Receita afirmou no Twitter que a iniciativa representava uma “manobra hábil e inteligente”.
Abaixo de Cintra, estão Fachada e seis subsecretários que cuidam de áreas como a administração aduaneira e a fiscalização. Ao menos metade já estava no cargo desde pelo menos o governo anterior.
Além de interferência em cargos, o governo passou a estudar mudanças na estrutura do órgão, que poderia ser fatiado e ter regras flexibilizadas para que funções de chefia possam ser ocupadas por indicações políticas.
O projeto precisaria de aprovação do Congresso, onde tem o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Integrantes da Receita questionam ainda a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que suspendeu a investigação contra 133 pessoas, incluindo ministros da Corte, além de ações do TCU (Tribunal de Contas da União) para vasculhar quem são os auditores que fiscalizaram autoridades dos três Poderes.