O jornalista Fernando Canzian, da Folha, uma das boas surpresas da imprensa jovem brasileira, trouxe nesta quinta-feira uma reflexão contundente e lapidar, traduzindo o impasse deletério da questão política sobre a economia, com o título: “Está claro ou precisa desenhar?”. Diz ele: “A luta pela sobrevivência de Dilma Rousseff e Eduardo Cunha está arruinando o país. Desonestos, cada um ao seu estilo, a presidente pior avaliada e o deputado mentiroso desviaram a atenção do essencial: o país precisa parar de piorar. E rápido. Mas todo capital político e energia que ainda lhes restam estão voltados para que se mantenham nos cargos e para evitar punições pelas malandragens aqui e na Suíça. O quadro publicado acima é assustador. Os brasileiros foram às ruas protestar em março e agosto. Nada aconteceu. A piora só acelerou. Agora estamos em outubro, ainda mais deteriorados. Não existe nenhuma hipótese, é preciso dizer, de o país se estabilizar e voltar a crescer sem que o palavrão do ajuste fiscal seja colocado em prática. Sem isso, podemos esperar anos e anos de estagnação, desemprego e miséria.” Nesta semana, independentemente do que possa resultar desse anti-jogo destrutivo e abjeto, o empresário Denis Minev e o presidente do CIEAM, Wilson Périco, trouxeram nesta coluna algumas propostas para redesenhar um novo Amazonas. À propósito, cabe complementar este encaminhamento reproduzindo uma entrevista dada em 18 de novembro a esta Follow-Up, pelo próprio presidente Périco, sobre o imperativo do expediente legal para cumprir este projeto.
‘Fora da Lei não há salvação’
Considerado uma liderança comprometida com o adensamento e a diversificação do modelo, na perspectiva de interiorização e regionalização de suas matrizes econômicas e seus benefícios, Wilson Périco é daquela geração que aqui chegou e quer permanecer. Cidadão da Amazônia, onde nasceram seus filhos, este empresário olha o desenvolvimento inteligente e sustentável da região como a melhor ferramenta de conservação do patrimônio natural. Daí sua obstinação para que os recursos produzidos na ZFM, e que por Lei pertencem a toda a Amazônia Ocidental, sejam aqui aplicados. Confira.
Follow-Up: Qual o significado para o Amazonas do movimento popular do último dia 15, do ponto de vista da indústria?
Wilson Périco: Descontentamento é a palavra que traduz os sentimentos e atitudes que o Brasil explicitou claramente nas ruas. Mais uma vez. No grito de revolta contra o governo Dilma, o país percebeu que o arrocho nas contas públicas, o aumento de impostos e da inflação estão ligados à corrupção. São consequências dela. E ninguém aceitar assumir as consequências dos erros alheios. O exemplo da Petrobras é emblemático. E as novas medidas do governo afetam diretamente a indústria, principalmente um polo industrial como a Zona Franca, já enfraquecida por falta de infraestrutura e dos recursos que lhe são confiscados. O IBGE reafirmou o processo de desindustrialização do modelo, mostrando que o polo industrial de Manaus teve o pior desempenho do Brasil dos últimos anos. Temos alertado isso há muito tempo. As entidades da indústria e dos trabalhadores estão unidas para tentar salvar a indústria, ou seja, os empregos, os investimentos e a sobrevivência do tecido social. Precisamos redesenhar o Amazonas.
FUp: E qual a saída para o modelo ZFM?
WP: A saída é a Lei. “Fora da Lei não há salvação”, dizia o jurista Rui Barbosa. E para fazer cumprir a Lei, o caminho é a mobilização da classe política, na medida em que toda a bancada federal interessada decida comprar essa briga, antes que seja tarde e os investidores procurem outras saídas. A ZFM está funcionando ao arrepio da Lei, ou seja, aquilo que é inverso à ordem natural. Estamos adentrando ao mundo dos desmandos onde cada um pode decidir a seu bel prazer e interesse. E nada acontece. Os recursos gerados na ZFM, taxas, e contribuições específicas, pertencem à região e aqui devem ser aplicados.
FUp: Que leis estão sendo desrespeitadas?
WP: A ZFM foi criada pelo Decreto-Lei Nº 288/67, um modelo baseado em benefícios fiscais, que previa a implantação de polo industrial, comercial e agropecuário, numa área física de 10 mil km², em Manaus. O objetivo era integrar a Amazônia ao resto do país, para evitar a apropriação estrangeira. E isso foi feito de acordo com o artigo 43 da Constituição, que autoriza mecanismos fiscais de desenvolvimento para redução das desigualdades regionais. E este modelo é o maior acero fiscal da História do Brasil. Ainda em 1967, por meio do Decreto-Lei nº 291, o Governo Federal criou a Suframa e definiu a Amazônia Ocidental, abrangendo os estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima – com a inclusão posterior dos municípios de Macapá e Santana – para onde estendeu parte dos benefícios do modelo. Inserida na Constituição Federal de 1988, essa legislação foi prorrogada pelo Congresso Nacional em agosto de 2014, por mais 50 anos. E nada disso está sendo respeitado.
FUp: Quais os acertos e gargalos da ZFM?
WP: Segundo pesquisas da Faculdade de Economia e Administração da USP, a ZFM tem exportado para a União, ao longo dos anos, em média, mais de 54% da riqueza que aqui produz. Na rotina compulsiva dos impostos, aproximadamente 50% de toda a arrecadação federal na Região Norte sai de Manaus que gera na capital mais de 600 mil postos de trabalho e – estima-se – mais de 2 milhões de empregos em toda a cadeia, da produção ao mercado, pelo país afora. Nenhum modelo de incentivo fiscal tem esse desempenho. Os gargalos, além da infraestrutura precária e cara, referem-se ao desacato permanente da Lei. Ao arrepio da Lei n. 9969 de 2000 – criada para fazer funcionar o modelo ZFM, as Taxas de Serviços Administrativos da Suframa (TSA), há 14 anos são progressivamente confiscadas pela União. São mais de R$ 1,4 bilhão no período. Da mesma forma, a Lei nº 10176 de 11/01/2001, criada para incentivar pesquisas, mudanças na matriz econômica do polo, através de 2 a 5% do faturamento das empresas de informática, tiveram 80% de seu apurado, indevidamente contingenciados nos últimos anos. Ao todo, de acordo com estimativas da Suframa e do CIEAM, somente com a TSA e as verbas de P&D, aproximadamente R$ 3 bilhões foram confiscados nos 10 anos.
FUp: E quais as consequências para a ZFM e Amazônia Ocidental?
WP: Essa ilegalidade reduziu drasticamente as ações de desenvolvimento e de diversificação econômica na região, onde há três anos não são celebrados convênios de infraestrutura com os governos estaduais ou municipais. No mesmo período, com a desculpa do superávit primário, ou de repasses para o BNDES, e ainda programas de outros ministérios (agronegócios do Mato Grosso e o programa Ciência sem Fronteiras), estima-se que foram igualmente confiscadas R$ 1,5 bilhão das verbas de P&D. “São valores suficientes para qualquer país sério promover uma revolução em inovação tecnológica”, segundo apreciação da própria Suframa.
FUp: Por que, então, não recorrer à Corte Suprema?
WP: Esta é uma tarefa de toda a sociedade que é alcançada por esse conjunto de ilegalidades. Isso cabe, principalmente, à representação política da região, governadores e parlamentares, com os quais empresários e trabalhadores certamente se uniriam. A Suframa perdeu autonomia e as condições de executar o que a Lei lhe confere. Basta ver a ilegalidade dos embargos de gaveta, dos técnicos da burocracia federal, que brecam licenciamento de PPB, o processo produtivo básico que estabelece as regras de produção na ZFM. Pela Lei 8.387, de 1991, essa liberação não pode ultrapassar mais de 120 dias. Apenas cinco variedades de produtos não podem receber incentivos da ZFM pela Constituição do Brasil: armas e munições, perfumes, fumo, bebidas alcoólicas e automóveis de passeio. Ultimamente os embargos de gaveta viraram proibição de alguns itens que a Lei permite. A saída para este impasse é simples: que se cumpra o marco legal da ZFM, objeto recente de reafirmação do Congresso Nacional. Só assim este modelo seguirá devolvendo com generosidade a renúncia fiscal que lhe dá suporte.
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Alfredo MR Lopes. [email protected]