MANAUS – No dia 9 de agosto é comemorado o Dia Internacional dos Povos Indígenas. Criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1995, a data estimula a valorização das tradições indígenas do mundo inteiro e promove a defesa dos direitos destas populações.
A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, também criada pela ONU, estabelece os direitos básicos destes povos, tais como, a igualdade de condições perante as leis internacionais, a autodeterminação dos povos, o combate às discriminações, os direitos territoriais e o respeito às culturas, línguas e religiões tradicionais.
Estes direitos são resultados de penosas lutas realizadas por estes povos frente aos ataques da modernidade que persistem até os dias de hoje. O Brasil, segundo as informações do Censo Demográfico de 2022, possui uma população de 1,7 milhão de indígenas (IBGE 2022). Isso representa menos de 1% do total da população absoluta do país. A maioria deste contingente encontra-se na Amazônia Legal, com destaque para o Amazonas. Este Estado possui 490.854 indígenas autodeclarados, abrangendo 28,98% de toda a população indígena.
Os três municípios brasileiros com o maior número de indígenas são do Amazonas: a capital, Manaus, com o total de 71.713 mil pessoas. São Gabriel da Cacheira com 48,3 mil e Tabatinga, com 34,5 mil.
Mesmo obtendo aumento populacional nos últimos anos, a história destes povos é marcada por perseguições e abusos infligidos por não indígenas. A chegada dos europeus no século XVI não favoreceu estas populações, que já viviam no território há milhares de anos. A violência contra eles foi uma prática imposta até os dias de hoje. Genocídios, etnocídios, expulsão das suas terras, doenças provocadas, fome e sede são apenas algumas das barbáries produzidas com o intuito de abolir estes povos. Seus territórios são frequentemente invadidos por todas as espécies de criminosos em busca de recursos naturais, como minérios, madeiras, fauna, florestas, biodiversidade e até o ar (créditos de carbono).
Uma análise das condições ambientais no Brasil indica que os direitos das populações indígenas não são respeitados. A problemática a cerca do saneamento em terras indígenas é muito complexa e pouco compreendida. O cenário abrange um quadro epidemiológico com alta incidência e prevalência de doenças como diarreia e parasitoses intestinais em taxas superiores as da população não indígena, incluindo desnutrição e baixo peso à falta de saneamento básico. Somente 35,48% das aldeias em terras indígenas e apenas 63,07% da população indígena no Brasil tem acesso à água tratada (Funasa, 2009).
A exploração predatória dos recursos naturais e a perspectiva materialista de que água é apenas um recurso econômico a ser apropriado se choca frontalmente com as perspectivas cosmográficas indígenas, para quem a água é o elo com o invisível e o espiritual. Para essas populações a água é um elemento com significado simbólico relacionado ao funcionamento do cosmo e a reprodução biossocial das coletividades. Assim, a invasão, a poluição, o assoreamento e a destruição de rios e lagos impõem danos materiais sobre a saúde das pessoas e danos morais, que impactam negativamente a saúde coletiva indígena.
Para as sociedades modernas e contemporâneas, as culturas e os modos de vida dos povos indígenas são atrasados e subdesenvolvidos. No entanto, é notório que as perspectivas hegemônicas pautadas pelo capital desenvolvem práticas mortíferas e incompatíveis com a manutenção da natureza, colocando em risco a sobrevivência da humanidade no planeta. Paradoxalmente, a habilidade indígena de viver em harmonia com a natureza está despontando como a solução mais adequada para salvar a humanidade do caos ambiental.
A prepotência da racionalidade moderna e capitalista já planejou e provocou tragédias irreparáveis para o mundo e para a humanidade. A competitividade e o individualismo moderno são pródigos em promover guerras e eliminar quem é diferente. As mudanças climáticas são os produtos mais atuais desta racionalidade.
As culturas indígenas, no entanto, demonstram sabedoria para conviver com a natureza sem destruí-la. Ao valorizar as tradições indígenas, a celebração dos Povos Indígenas nos indica que talvez ainda haja solução para as tragédias socioambientais, mas para isso é preciso nos voltar à natureza e aprender com ela.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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