Como ficarão as coisas a partir de agora, com a aprovação do impeachment pela Câmara Federal? Há condições de governabilidade, de repactuação política, social e econômica em favor do país num eventual governo Temer-Cunha? O governo Temer e Cunha vingará ou ambos também serão afastados? A instabilidade política e a tensão social cessarão em favor de uma estabilidade capaz de superar a crise econômica? São algumas dentre as muitas questões colocadas a partir de agora.
Na realidade, embora tenha sido histórica a decisão pelo afastamento da presidenta, ainda não há concretamente o que projetar, ainda mais considerando o perfil dos sucessores. Além disso, é necessário entender os desdobramentos desse processo até o seu efetivo impedimento. O procedimento deverá ser ainda remetido ao Senado. Até a decisão desta Casa legislativa, Dilma prossegue presidente.
Independente dessa decisão, favorável ou não ao afastamento da presidenta, mudança alguma ocorreu concretamente nas regras que regem a mediação política e suas instituições. Imaginava-se que o propósito desse conturbado processo também fosse combater a corrupção e os abusos do poder econômico nas eleições, mas sequer uma reforma política minimamente efetiva foi realizada e não há nem previsão disso ocorrer. Parece que tudo não passará mesmo de uma mera troca de nomes e de partidos, sem que a política no país sofra algum saneamento em sua lógica e procedimentos.
São conhecidas as legalidades e as ilegalidades desse processo e o que poderá, ao final, acontecer ao ex-presidente e à atual presidenta. Mas se tudo não passar de meras punições individuais sem reflexo na vida dos partidos, dos procedimentos e das instituições políticas, muito pouco de toda essa movimentação terá proveito ao país. Na realidade, se ficar limitado a derrubar um e empossar outro, tudo isso não terá sido senão um jogo de cena, uma encenação pra que tudo permaneça como sempre esteve e, na prática, esvaziar o foco ou questão principal: a urgência de uma reforma política, a revisão de procedimentos que permitem a convivência com a corrupção e o abuso do poder econômico.
É urgentemente necessária uma efetiva mudança nas regras, nas instituições e nos procedimentos de mediação política no País. Do contrário, todo o esforço e gasto empreendido com o combate à corrupção e aos abusos nas campanhas do poder econômico, principalmente por meio de investigações policiais, terá sido em vão, mantendo-se muitos delinquentes sob o abrigo da impunidade. É essencial que esse processo alcance não apenas um ou outro partido, esquema ou máquina de saquear recursos públicos, mas todos quantos tiverem envolvimento com as graves ilicitudes citadas e investigadas. As tendências ou não nesse sentido ficarão ainda mais claras a partir de agora. É, de fato, a partir do impeachment que se poderá avaliar se toda essa movimentação visa realmente combater a corrupção, os esquemas para saquear as máquinas públicas, os abusos econômicos nas campanhas eleitorais ou se foi o afastamento da presidente uma mera desculpa para uma manobra, um golpe, uma manipulação em favor de velhos partidos e grupos oligárquicos.
Respeitar o devido processo legal é imprescindível, contudo, é preciso fazer alguma mudança concreta em favor da qualidade de processos, critérios e instituições de mediação política no país. Sem qualquer reforma efetivamente voltada para sanear a democracia representativa no Brasil, o impeachment e tudo mais será reduzido à ardilosa manobra e encenação do jogo político entre as viciadas forças partidárias. Nenhum proveito efetivo trará à experiência democrática no país, pois o impeachment terá servido apenas de desculpa pra permanecer tudo como antes, isentar corruptos de responsabilização e dizer que se fez alguma coisa pela nação quando, na realidade, ter-se-á apenas manobrado expressivos segmentos sociais como manadas para alcançar fins nada republicanos muitos menos democráticos.
Desde que não sejam posturas nazifacistas nem ofensivas aos direitos e às garantias fundamentais, deve-se respeitar todas as diversas opiniões e expressões. Nesse sentido, da mesma forma que a Câmara Federal decidiu pelo afastamento de Dilma da chefia do Executivo, não há justificativa plausível para se preservar um Temer, um Cunha, um Calheiros ou qualquer outro citado em listas, esquemas e posturas não condizentes com os cargos que ocupam. Aliás, perfis dessa índole, envolvidos com esquemas ilícitos de apropriação de recursos públicos e negócios escusos ou abusivos desde as campanhas eleitorais, sejam personagens sejam partidos, fazem mais parte do problema do que da solução.
Por isso, a expectativa é de que a faxina realmente prossiga, uma vez que o País precisa ser passado a limpo, exorcizar as instituições e procedimentos da mediação política, e construir alguma perspectiva de superação das crises com as quais o mesmo se debate, viabilizando a retomada de condições para o desenvolvimento econômico e político da sociedade brasileira.
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