Por Teófilo Benarrós de Mesquita, do ATUAL
MANAUS – Os políticos amazonenses culpam a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva (Rede) pelo não asfaltamento da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho (RO) e pelo isolamento da região sul do Estado em consequência da seca severa. Os dois problemas persistem há décadas. No período, Marina foi ministra entre 1º de janeiro de 2003 a 13 de maio de 2008. E voltou a ocupar o cargo, em 1º de janeiro deste ano, quase 15 anos depois.
Na quinta-feira (5) a ALE-AM (Assembleia Legislativa do Amazonas) aprovou Moção de Repúdio contra a ministra. Marina Silva esteve em Manaus, compondo a comitiva governamental que anunciou medidas para amenizar os efeitos da seca. O senador Omar Aziz (PSD) também fez pesadas cobranças públicas. Deputados federais e vereadores de Manaus seguiram a mesma linha.
Mas foi do deputado estadual Sinésio Campos (PT) o ataque mais contundente. O deputado petista se vangloria de ter cobrado e responsabilizado, com o dedo em riste, a ministra Marina na visita a Manaus na quarta-feira (4).
Sinésio é o mesmo que, em 1º de fevereiro deste ano, na sessão de posse dos novos deputados, puxou pelo braço de forma brusca a deputada Mayara Pinheiro (Republicanos) no momento da foto oficial. O ato foi classificado como machista, em comentários de rede sociais e justificado como ‘brincadeira’ por Sinésio.
A deputada Débora Menezes (PL) disse na Assembleia que o esquecimento da BR-319 é de mais de 40 anos e dividiu a culpa com “ministros do governo Lula, com os governos de Eduardo Braga e Omar Aziz, que hoje retornam ao poder. As mesmas figuras, que nada fizeram”. Mas, de forma conveniente, não cita os 4 anos do governo Jair Messias Bolsonaro (PL) de quem é defensora, nem a promessa em 2019 do então vice-presidente da República, General Hamilton Mourão, de asfaltamento da BR-319.
“Se esse trio não resolver o problema da BR-319, eu vou dizer algo que gente fala muito no Exército, eu vou comer minha boina, viu. (…) Esse trio tem que resolver o problema da BR-319, e com ela, a Hidrovia do Madeira. Então, com isso, nós vamos integrar o Estado”, afirmou Mourão. Ele se referia ao ministro de Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas; ao secretário nacional de Transportes, general Jamil Megid Junior; e ao diretor do Dnit, general Antônio Leite dos Santos Filho.
Também da tropa de Bolsonaro, Péricles Nascimento (PL) foi outro que criticou Marina, “por sempre atrapalhar a pavimentação da BR-319”. “Se o presidente Lula é a favor da BR-319, quer dizer que a ministra Marina está mandando mais que o presidente? Se todos querem e ela não, porque não sai esse asfaltamento?”, provocou.
Outro tratamento
A defesa ‘intransigente’ de deputados pelo asfaltamento da BR-319 destoa de outros episódios que também envolvem a rodovia. Em outro assunto que diz respeito à BR-319, a queda de duas pontes por falta de manutenção, os deputados adotaram outra forma de tratamento. A primeira, no Rio Curuçá, caiu em 28 de setembro de 2022 e causou a morte de cinco pessoas, além de 14 feridos. Neste domingo (8) completa um ano da queda da ponte do Rio Autaz Mirim, que não teve vítima fatal.
Apesar de o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) no Amazonas, órgão responsável pela manutenção e recuperação das pontes, ser vizinho à sede da Assembleia, na Avenida Mário Ypiranga Monteiro, o superintendente Luciano Moreira de Sousa Filho só compareceu à ALE em 13 de junho deste ano em audiência pública para afirmar que “até o fim do ano, a BR-319 vai receber pontes temporárias onde as duas estruturas caíram”.
Nenhum deputado ou deputada teve a ideia de atravessar a rua e colocar o dedo no rosto do superintendente, que adiou sua ida à sede da Assembleia em diversas ocasiões.
O ex-prefeito de Manaus e ex-deputado federal e senador pelo Amazonas, Alfredo Nascimento (PL), foi ministro dos Transportes em três períodos, entre 2004 e 2011, e nunca conseguiu viabilizar a pavimentação da BR-319.
Também ex-prefeito de Manaus, ex-deputado federal e ex-senador, Arthur Virgílio Neto (sem partido) foi ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência na gestão Fernando Henrique Cardoso, líder do governo no Senado, e gozou de prestígio no Palácio do Planalto por oito anos, e não conseguiu usar seu prestígio para liberar a pavimentação da rodovia.
Rede em defesa
A Rede Sustentabilidade, partido de Marina Silva, emitiu nota sobre essa “diferença de tratamento”. O texto é de responsabilidade do diretório estadual do Amazonas.
Abaixo, o trecho principal da nota:
“A classe política amazonense, que está no poder há mais de 40 anos, grita, aponta o dedo e engrossa a voz para uma mulher amazônida que defende e reforça a importância do bioma em todos os lugares em que ocupa, sejam eles no Brasil ou em debates internacionais sobre clima.
A BR-319 é o principal palanque eleitoral dos pseudo-defensores do “progresso” no Amazonas. O Senador Omar Aziz esbraveja, o Governador Wilson Lima engrossa a voz e o Deputado Sinésio Campos aponta o dedo na direção de uma mulher, mas não fizeram isso quando o ministro era um homem, Ricardo Salles, denunciado por crimes ambientais.
O mesmo não ocorreu com o ex-presidente Bolsonaro e seu vice-presidente Hamilton Mourão, cuja gestão foi marcada por manifestações públicas de deboche sobre pessoas sem oxigênio em Manaus, nesta mesma gestão vacinas que iriam para o Amazonas chegaram no Amapá, por uma falta de conhecimento básico sobre o Norte do país.
Mourão chegou a dizer que comeria a sua boina se não asfaltasse a BR 319. Não vimos os senadores Omar, Braga, muito menos Plínio Valério cobrarem o seu colega de Senado para efetuar a promessa.
O projeto da BR 319 é complexo, requer estudos aprofundados, deve demonstrar viabilidade social, econômica e ambiental. Mesmo com desmonte da agenda ambiental pelo congresso nacional, a Ministra Marina Silva tem sido incansável no objetivo de reduzir o desmatamento na Amazônia. Apenas nos primeiros 9 meses de gestão o desmatamento caiu para 48% e no Amazonas 62%, resultado de muito trabalho e compromisso”.
A classe política que se perpetua no poder, já tem o roteiro pronto. Atacar autoridades como a Marina e fugir das suas responsabilidades é importante para inflamar a ala bolsonarista e o sentimento de destruição que ela inspira.
Diante disso, a Rede Sustentabilidade Amazonas repudia as atitudes machistas e desrespeitosas com a Ministra Marina Silva.
Marina tem compromisso de vida com os amazônidas. Siga firme, Ministra Marina Silva, sua história não está entrelaçada a nomes como Chico Mendes a toa. A força da floresta e dos povos da floresta estão contigo!”.
Marina e a BR-319
Ex-vereadora em Rio Branco (AC), e ex-deputada estadual no Acre, Marina Silva foi eleita senadora em 2002. Antes de assumir, foi nomeada ministra do Meio Ambiente no primeiro governo Lula e ficou no cargo de 1º de janeiro de 2003 a 13 de maio de 2008. No período, outros setores governamentais se queixavam que Marina agia de forma a dificultar licenças ambientais para a realização de obras estruturais.
A rodovia, com 885 quiômetros, foi inaugurada em 1976, no governo militar do general Ernesto Geisel, asfaltada. Por falta de manutenção adequada, ficou sem condições adequadas de trafégo e foi interditada em 1988, na presidência de José Sarney, primeiro presidente civil após os governantes militares.
A maior parte da rodovia, 820 quilômetros, corta o estado do Amazonas. A BR-319 passa pelas cidades de Lábrea, Humaitá, Apuí e Manicoré, no sul do Amazonas.