Da Folhapress
SÃO PAULO – A decisão do ministro Raul Araújo, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que classificou como propaganda eleitoral declarações das cantoras Pabllo Vittar e Marina no festival Lollapalooza, encerrado neste domingo (27), provocou manifestações de artistas e deve ser levada ao plenário da corte eleitoral.
Araújo acolheu a reclamação do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, feita na noite de sexta-feira (25), após as artistas fazerem gestos contra o chefe do Executivo e a favor do ex-presidente Lula, principal rival do mandatário no pleito.
O ministro havia negado a retirada de outdoors promovendo a reeleição do presidente. A corte eleitoral também não se manifestou em outras ocasiões, como no caso das motociatas feitas por Bolsonaro.
Além do presidente, outros partidos também se aproveitam da leniência da corte para promover seus pré-candidatos antes do início da campanha.
O que diz a lei sobre propaganda eleitoral antecipada?
A legislação eleitoral só permite campanha a partir de 16 de agosto. Comícios não são permitidos até lá, nem eventos públicos de lançamento de pré-candidatura, situação não prevista na legislação eleitoral. Há liberação apenas para reuniões internas para discussão e escolha de candidatos.
O entendimento consensual é de que propaganda eleitoral antecipada ocorre quando se pede voto em algum candidato, o que não ocorreu no festival de música. “Essa decisão é censura”, avalia a empresária Paula Lavigne, criadora do grupo 342 Artes, projeto de combate à censura que reúne parte da classe artística brasileira.
“O Lollapalooza não é um evento voltado para política, enquanto Bolsonaro vem fazendo eventos voltados para a política. Ele teria que ser muito mais multado que o festival”, diz.
O que Pabllo Vittar e Marina fizeram no Lollapalooza?
Na sexta-feira (25), antes de deixar o palco do festival, a cantora Pabllo Vittar pegou uma bandeira vermelha com o rosto do ex-presidente Lula no meio da plateia. O ato gerou alguns gritos a favor do petista, e contrários a Bolsonaro, que se misturaram com os aplausos à artista.
Em outros momentos do show, a cantora também fez um “L” com a mão. No palco vizinho, a cantora Marina Diamandis xingou os presidentes do Brasil e da Rússia em sua apresentação. “Foda-se o Putin, foda-se Bolsonaro, estamos cansados dessa energia”, disse.
Qual foi a acusação contra Pabllo Vittar e Marina?
Na noite de sexta-feira (25), o partido do presidente apresentou uma representação ao TSE afirmando que as artistas Pabllo Vittar e Marina se manifestaram politicamente contra Bolsonaro e a favor de Lula, com ampla repercussão na mídia.
A peça reproduz matérias jornalísticas, entre elas uma publicada pela Folha sob o título “Pabllo Vittar exalta Lula com bandeira no Lollapalooza em show com falha técnica”. “A manifestação política realizada em evento de responsabilidade da representada [organização do Lollapalooza] fere inúmeros dispositivos legais”, afirmaram os advogados do PL.
“Eis porque a manifestação política em mais de um show, uma em absoluto desabono ao pré-candidato Jair Bolsonaro e outra em escancarada propaganda antecipada em favor de Luiz Inácio ‘Lula’, configuram propaganda eleitoral irregular – negativa e antecipada – além de promoverem verdadeiro showmício, sendo indiferente se o evento foi custeado pelo candidato ou se o mesmo esteve presente no ato”.
O que Bolsonaro e o PL fizeram neste final de semana?
Bolsonaro participou de evento partidário em clima de comício antecipado neste domingo (27), apesar das orientações da equipe jurídica diante dos riscos de se enquadrar em crime eleitoral.
Com ataques ao ex-presidente Lula, o presidente discursou como candidato, um dia após anunciar que esse encontro do PL seria como um lançamento de sua pré-candidatura à reeleição.
Especialistas ouvidos pela Folha, incluindo um ex-ministro do TSE que pediu anonimato, identificaram no evento deste domingo com Bolsonaro elementos de campanha antecipada.
Para eles, apresentar-se como candidato, fazer menções ao pleito e a seu principal adversário e pedir apoio da plateia são elementos que, fora do cronograma eleitoral, configuram a campanha extemporânea.
O evento pode motivar apuração por abuso de poder econômico, procedimento que, embora improvável na prática, em tese poderia ser capaz de inviabilizar uma candidatura e ser avaliado em conjunto com outros atos de Bolsonaro típicos de campanha ao longo dos últimos meses, como as motociatas.
Como a Folha mostrou, a campanha do chefe de Bolsonaro chegou a mudar o anúncio do evento, que inicialmente seria o lançamento da pré-candidatura, após o sinal vermelho da equipe jurídica. Os organizadores alteraram o material de divulgação e passaram a chamar o evento de “Movimento Filia Brasil”.
Por que o PT decidiu recuar de ato de lançamento de pré-candidatura de Lula? O Partido dos Trabalhadores foi alertado sobre o risco de que o ato de lançamento da candidatura do ex-presidente Lula, que também serviria como anúncio informal do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB) como vice, fosse configurado como campanha antecipada.
A ala que defende que o evento seja público diz que a ideia seria, então, realizar um encontro público para mobilizar a militância, sem essa conotação específica de lançamento da candidatura – mas o assunto só deverá entrar na pauta de discussão quando o petista voltar a São Paulo após agenda no Rio de Janeiro, no meio da próxima semana.
O que o ministro do TSE decidiu sobre o Lollapalooza?
O ministro Raul Araújo decidiu que as manifestações de Pabllo Vittar e Marina não estavam protegidas pela libertade de expressão e caracterizavam “clara propaganda eleitoral em benefício de possível candidato ao cargo de presidente da República, em detrimento de outro possível candidato”.
“Além de destilar comentários elogiosos ao possível candidato, pediram expressamente que a plateia presente exercesse o sufrágio em seu nome, vocalizando palavras de apoio e empunhando bandeira e adereço em referência ao pré-candidato de sua preferência”, diz trecho da decisão publicada no sábado (26).
O ministro deferiu parcialmente o pedido, vedando novas manifestações políticas no festival, sob pena de multa de R$ 50 mil por ato de descumprimento.
Advogados do PT recorreram ao tribunal contra a decisão, pedindo à corte eleitoral a reafirmação das “liberdades e garantias constitucionais à liberdade de expressão e a vedação à censura, bem como reconhecendo que a manifestação artística em prol ou contra de quaisquer figuras políticas, desde que não haja pedido explícito de voto ou participação direta do beneficiado politicamente, não configura ato atentatório à Lei Eleitoral”.
A T4F, produtora do festival, também entrou com recurso na corte eleitoral, afirmando que não tinha como fazer cumprir a ordem que “veda manifestações de preferência política” e diz não poder agir como censora privada, “controlando e proibindo o conteúdo” das falas.
Esse mesmo ministro tem tomado decisões similares em outros casos?
Não. Em fevereiro, Araújo indeferiu um pedido de liminar do PT para a retirada de outdoors da região Centro-Oeste que, segundo a representação, traziam a imagem de Bolsonaro ao lado de frases de apoio e de hashtags como #fechadoscombolsonaro e #2022bolsonaropresidente.
A representação do PT era contra o presidente Bolsonaro, a Cooperativa dos Produtores Agropecuaristas de Paraíso e Região e a Outmix Locações e Treinamentos. Ela se baseava em reportagem divulgada em janeiro deste ano pelo UOL, que trazia as imagens de vários desses outdoors, pagos por apoiadores do presidente.
Segundo o ministro Araújo, a responsabilização de Bolsonaro no caso era “incabível” e indeferiu o pedido do PT de apuração de abuso do poder econômico pelo presidente, bem como o envio do requerimento para o Ministério Público Eleitoral.
A legislação eleitoral não permite o uso de outdoors – nem durante a campanha – desde 2006. E, desde 2015, o entendimento sobre propaganda eleitoral foi alterado, ficando caracterizada a propaganda antecipada quando há pedido explícito de voto em algum candidato.
Como o TSE reagiu à decisão do ministro?
O presidente do tribunal, Edson Fachin, afirmou nesta segunda-feira (28) que pretende levar a decisão de Araújo para julgamento do plenário da corte eleitoral.
Fachin disse que pautará a análise do caso assim que Araújo liberar o processo para apreciação do plenário. Isso, porém, não tem data para ocorrer.
Na manifestação, Fachin sinalizou que discorda da decisão do colega. “O tribunal, por sua maioria, fixa a interpretação majoritária que, na matéria, tem sido de rechaço pleno e firme de qualquer forma de censura”, afirmou.
A lei eleitoral veta manifestações a favor ou contra qualquer candidato ou partido político como ocorreu no festival Lollapalooza? Segundo Fernando Neisser, presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral do IASP, o Instituto dos Advogados de São Paulo, a decisão faz uma leitura equivocada da lei, reformada recentemente para dar mais liberdade ao debate público.
“Criticar um governante em exercício ou cantar o nome de um possível candidato não são atos de propaganda antecipada ilegal, pois não há pedido explícito de voto nem uso de meio proibido pela lei”, afirma ele.
O advogado Marco Aurélio de Carvalho, do grupo Prerrogativas, avalia que o presidente Jair Bolsonaro (PL) errou ao ir ao TSE e diz que a decisão pode criar “precedente gravíssimo”.
“É um precedente gravíssimo contra a liberdade de expressão. Só a tentativa de obter uma decisão com esse teor já é uma grave demonstração do caráter autoritário com que Jair Bolsonaro pretende atuar nos tribunais”, afirma.
Em 2021, o STF (Supremo Tribunal Federal) julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5970 que questionou a proibição de showmícios, como são chamados os espetáculos de promoção de candidaturas. A corte decidiu que esse tipo de apresentação estava vetada, mas autorizou que shows fossem feitos para arrecadação de verba de campanha.
Após a decisão contra as artistas no festival, o grupo 342 artes, criado pela empresária Paula Lavigne, que esteve à frente da ADI, lançou a campanha Cala Boca Já Morreu, que espalhou nas redes a hashtag #lollalivre, e cobrou um posicionamento do plenário da corte eleitoral sobre o tema.
Como os partidos burlam a lei eleitoral para promover seus pré-candidatos?
Presidenciáveis estão colocando seus respectivos presidenciáveis e demais candidatos no centro da propaganda que começou a ser veiculada no final de fevereiro no rádio e na TV, apesar de a lei vedar a prática.
O artigo 4º da resolução do TSE sobre propaganda eleitoral diz que “a utilização de tempo de propaganda partidária para promoção de pretensa candidatura, ainda que sem pedido explícito de voto, constitui propaganda antecipada ilícita”.
Há ainda meios de promoção das candidaturas que não tem regras específicas, caso dos podcasts de entrevistas. Ao contrário dos programas em rádio e televisão, não há obrigatoriedade de dar o mesmo tempo para os candidatos adversários, por exemplo.
Outra via de divulgação que desafia a Justiça Eleitoral são os aplicativos de mensagem, como o Telegram e o WhatsApp. Uma das lacunas apontadas por especialistas são as possibilidades de viralização dos conteúdos que esses serviços oferecem.