Constrangimento é talvez o sentimento que melhor defina a atmosfera popular ao se tratar do assunto política hoje no país.
Arrefecido o fervor das discussões que se viu nos últimos anos – semelhante aquelas tidas tradicionalmente sobre clássicos de futebol – resta constatar que as referências políticas em destaque, de um lado e outro da refrega, até há pouco transformados em ídolos, passam a ser vistos pela insípida lente da desilusão. De sobra, um certo mal estar se sobrepõe ao humor dos que brigaram em discussões políticas como se vissem doravante como atores de uma querela infantil.
A manobra legalista para disfarçar a tomada golpista do poder – também chamada de impeachment – conseguiu trazer um descaminho político ainda maior. O projeto de país que vem sendo adotado, por mais que não tenha sido aquele que fora votado nas urnas em 2014, joga contra a maioria da população – estando inclusa, obviamente, a parte que apoiou o processo contra Dilma.
Observa-se diante das últimas medidas tomadas pelo interino governo federal que há uma orientação clara para manter, mais ainda, os interesses dos plutocratas. Mas agora numa pior versão, não há mais em vigência o mínimo da intenção de progressismo que se apresentava nos governos de centro esquerda do PT. O que há agora é a gestão corporativa dos donos do dinheiro, para acumular mais dinheiro, na metodologia retrógrada e antidemocrática de sempre.
Ao nomearem para ministérios econômicos e sociais agentes de seus interesses, passa-se então a sequestrar direitos trabalhistas com o eufemismo de “flexibilização da carga horária”. Entrega-se, sem o menor pudor, patrimônios naturais a grandes monopólios nacionais e internacionais, como já previra há anos documentos furtados pelo site espião Wikileaks.
Sendo a crise inerente e oriunda do próprio sistema econômico, revela-se que o Brasil é mais uma vítima das manobras da oligarquia financeira internacional. Isto é, fica mais fácil de interpretar a atual conjuntura geral do Brasil tendo em vista uma relação com a totalidade da conjuntura global, sendo ela expressa, latente ou camuflada.
Basta ver que essas tomadas de assalto dos direitos das minorias não acontece só aqui. Isso é reflexo direto do desespero da plutocracia de perder seus lucros absurdos nessa crise que já dura quase 10 anos. O peso disso vai obviamente para a classe que é explorada, da mesma maneira que é feita desde que o mundo é mundo.
E para concretizar tal abuso, os aparelhos de opressão popular vão melhorando conforme os anos. Isto é, podia-se ver, por exemplo na nossa ditadura, a precariedade com que muitos dos homens que serviam a repressão contavam em seus materiais de trabalho. Hoje, aqui e no mundo, as condições que facilitam a opressão sob tentativas populares é bem mais desenvolvida e requintada, os policiais se apresentam como verdadeiros guerreiros blindados. Mostra-se clara então mais uma vez a relação promíscua e simbiótica de Estado e os donos do capital.
Os governos do mundo de centro esquerda, como o do PT, não se mostram capazes de administrar o capital, confirmando a falácia deste modal baseado na posse elitizada dos meios de produção da riqueza. Com crises como essa, suspende-se o papo furado de democracia e progressismo, colocam-se na cadeira presidentes fantoches aos quais compete cumprir o figurino da manutenção e blindagem do poder.
Toda essa realidade perversa corrobora com a ideia de que nossa atual estrutura política nada tem de democrática. De ponta a ponta, o “demos” isto é, “o povo”, nada tem de real poder de decisão. E há de sempre insistir em denunciar este ponto paradoxal de ser expectador passivo da engrenagem da economia e da gestão política que daí decorre. A gestão que implica em, mesmo sendo absoluta maioria, de ser esmagado por aqueles que são os donos dessa perversa estrutura.
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