Por Iolanda Ventura, da Redação
MANAUS – Na avaliação do promotor Alessandro Samartin de Gouveia, presidente da AAMP (Associação Amazonense do Ministério Público), o Projeto de Lei nº 10.887/2018, que altera a Lei da Improbidade Administrativa (Lei n° 8.429, de 2 de junho de 1992), oferece proteção quase total para gestores públicos suspeitos do crime e, na contrapartida, torna mais rígido a as penalidades contra quem investiga.
A AAMP é contra a aprovação do projeto. Segundo Samartin, as mudanças na proposta original dificultarão a apuração em casos de corrupção. Entre os pontos acrescentados, há a possibilidade de o investigado, se não for considerado culpado, poder entrar na justiça contra o Ministério Público alegando eventuais danos contra si no processo de apuração.
“Se um membro do Ministério Público ajuizar uma ação civil pública por improbidade, e que haja alguma divergência no entendimento do juiz e que a jurisprudência não esteja consolidada, e ao final esse processo não se reconheça a improbidade, o membro do MP será punido objetivamente por ter exercido o seu poder de fiscal”, diz o promotor.
Samartin afirma que isso enfraquece a atuação do órgão ministerial. “Para o membro do Ministério Público, os rigores são plenos. Para o agente público que eventualmente pratica um ato de improbidade, as proteções são quase que totais”, critica.
Tempo de investigação
Samartin afirma que a investigação dos gestores públicos fica ainda mais difícil com a limitação do tempo para apuração de atos de improbidade administrativa a 180 dias, como pretende o PL. Segundo ele, hoje é possível que o inquérito seja prorrogado até cinco anos.
“Para você investigar, por exemplo, um desvio de dinheiro público, precisa de algumas medidas judiciais que demandam muito tempo. Por exemplo, quebra de sigilo bancário fiscal. Vou lhe dizer o que eu vivenciei. Entramos com a medida, o juiz defere. Mas a burocracia que existe, o acesso a esses dados é tão demorado que só para acessar as contas a gente leva em torno de 90 dias”, diz.
Após o recebimento das informações, há o tempo para análise dos números. O promotor cita as prefeituras como exemplo. “Cada prefeitura, CNPJ, comporta várias contas correntes. Então há muito trânsito de dinheiro, dinheiro sai de uma conta, vai para outra. E você fazer esse rastreamento do dinheiro não é simples”.
De acordo com o presidente da AAMP, os casos envolvendo danos de milhões de reais ao erário são os mais complexos. “Se você for ver a investigação que envolve a questão de respiradores, pandemia, são investigações longas, complexas, que se limitar a 180 dias você não consegue concluir”, pontua.
Questionado sobre os processos de investigação que se arrastam por anos no Ministério Público Estadual, Samartin afirma que a limitação do prazo não contribui para o esclarecimento dos fatos. “Mais danoso que uma investigação que demore a ter uma resposta é uma que não demore a dar uma resposta, mas que essa reposta seja insuficiente e inadequada”, avalia.
Além da burocracia, há as questões envolvendo a posição que o gestor ocupa, como os foros que o cargo oferece ou obstáculos que podem ser criados para acesso aos dados. “Não estou dizendo que haja alguma imunidade, não é isso. Mas é muito mais dificultoso você fazer essa análise, até porque parte dos documentos que você vai buscar ter acesso estão em poder da pessoa que supostamente praticou o ato de improbidade”, diz.
Prazo prescricional
O projeto 10.887/2018 muda o prazo da prescrição, tempo que o MP tem para investigar o gestor suspeito, de cinco para oito anos. Embora pareça ser um aumento, Samartin explica que na prática há uma diminuição do período para abertura do inquérito.
Isso porque, atualmente, o prazo prescricional é contato a partir do término do exercício do mandato, cargo em comissão ou função de confiança. No PL, essa contagem de oito anos é a partir da ocorrência do fato.
Na prática, um gestor que cometa ato de improbidade administrativa no início do mandato e que seja reeleito, terá a seu favor a prescrição do ato de improbidade ao sair do cargo no segundo mandato, sendo que na prática muitas situações somente são conhecidas após esse período, exemplifica o promotor.
O PL ainda pretende inserir a permissão ao juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento da parte interessada, reconhecer a prescrição que se dá no decorrer do processo judicial. Para Samartin, isso causará vários casos de impunidade, pois demora até que seja dada uma decisão condenatória, devido aos inúmeros recursos apresentados no processo.
Culpa grave
De acordo com Samartin, o projeto dá imunidade em casos de improbidade de conduta culposa grave, em que por uma conduta negligente, gestores atuem com descaso com a coisa pública.
“Ele sabe que no Portal da Transparência é obrigatório serem incluídas as informações públicas. Mas ele sabe que o portal foi retirado do ar e não faz nada para que aquilo retorne. Ele incorre no que a gente chama de culpa grave, seja por negligência, imperícia ou imprudência, ele permite que o dano aconteça. E aí a lei vem e diz ‘se for culpa grave, não tem improbidade’”, explica.
Princípios da administração pública
O último ponto questionado pela AAMP é a alteração no artigo 11 da Lei de Improbidade. O texto do relatório exclui a previsão do caráter exemplificativo dos incisos do dispositivo. Na lei atual, o artigo 11 é apresentado com a seguinte redação:
“Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (seguem os incisos de exemplo)”
No relatório final do PL, consta na seguinte forma: “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa, que viole os deveres de honestidade, imparcialidade e legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (seguem os incisos):”.
O projeto também revoga os incisos I e II, que preveem responsabilização por improbidade administrativa de atos “visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência” ou de “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício”.
De acordo com Samartin, entre as condutas que deixarão de ser punidas com a mudança, está o ato de “furar a fila” para obter o benefício de se vacinar, e nomear parentes para cargos em comissão com inobservância dos princípios constitucionais, o nepotismo.
Tramitação rápida
Na terça-feira, 15, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou por 369 votos favoráveis e 30 contrários, o requerimento de urgência para o Projeto de Lei, sem passar pela Comissão Especial.
“Nós entendemos que é preciso aprimorar a Lei de Improbidade Administrativa, é importante que ela seja melhorada. Mas para ela ser melhorada tem que ser discutida e esse substitutivo apresentado no PL 10.887 de 2018 ele enfraquece o projeto original”, diz.
O promotor considera que o projeto como foi apresentado pela comissão de juristas no final de 2020 era bom, mas foi desvirtuado pelas emendas que recebeu na Câmara dos Deputados.
“A medida originária não era essa, isso foi embutido um substitutivo na Câmara dos Deputados pelo deputado (Carlos) Zarattini (PT) e está indo para o plenário sem discussão pelas comissões especiais, omitindo-se da sociedade esses pontos para que a gente possa debater o melhor cenário para a Lei da Improbidade Administrativa”, afirma.