Da Folhapress
BRASÍLIA E SÃO PAULO – O STF (Supremo Tribunal Federal) anulou, pela primeira vez, uma condenação do ex-juiz Sergio Moro.
Por 3 votos a 1, a Segunda Turma tornou sem efeito a condenação de Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil, por corrupção e lavagem de dinheiro em uma ação ligada à Operação Lava Jato.
Os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia votaram pela anulação. O relator da Lava Jato na corte, ministro Edson Fachin, foi vencido. O quinto integrante do colegiado, Celso de Mello, não participou da sessão nesta terça-feira (27).
A decisão se deu por questão técnica ligada ao cerceamento da possibilidade de defesa e foi considerada uma das principais derrotas da história da Lava Jato.
A força-tarefa da operação no Paraná afirmou, em nota, que a medida do STF traz “imensa preocupação” e abre caminho para anular a maior parte das condenações já expedidas.
“Se o entendimento for aplicado nos demais casos da Operação Lava Jato, poderá anular praticamente todas as condenações, com a consequente prescrição de vários crimes e libertação de réus presos”, diz texto dos procuradores.
O colegiado responsável pelo julgamento é o mesmo que avaliará, provavelmente neste semestre, um pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que alega a suspeição de Moro.
Hoje ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro (PSL), ele foi o juiz da Lava Jato responsável pela condenação do petista no caso do tríplex de Guarujá (SP).
A decisão da Segunda Turma do STF ocorreu após a defesa de Bendine argumentar que Moro abriu prazo para alegações finais simultaneamente para todos os réus, os que tinham fechado acordo de delação e os que não tinham –caso do ex-presidente da Petrobras.
Para o advogado Alberto Toron, o juiz deve ouvir primeiro as alegações dos delatores e, depois, as dos demais réus, para que estes tivessem a oportunidade de se defender.
Com base no princípio constitucional do direito de ampla defesa e contraditório, a maioria da Segunda Turma concordou com a tese do advogado, determinando a primeira anulação de uma sentença de Moro por questões processuais.
A decisão desta terça vem em um momento em que Moro enfrenta um enfraquecimento político no governo Bolsonaro e tem sua atuação como juiz questionada por causa das mensagens divulgadas pelo site The Intercept Brasil.
Moro havia condenado Bendine, em março de 2018, a 11 anos de prisão. Posteriormente, o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) manteve a condenação, reduzindo a pena para 7 anos e 9 meses. Com a decisão do STF, o processo de Bendine deverá voltar para a primeira instância da Justiça Federal em Curitiba.
A força-tarefa da Lava Jato disse expressar confiança “de que o Supremo Tribunal Federal reavaliará esse tema, modulando os efeitos da decisão” expedida no caso de Bendine.
As alegações finais no processo costumam ser a última ocasião de manifestação das partes antes da sentença.
A fixação dos mesmos prazos para delatores e delatados foi uma constante ao longo da Lava Jato. Em um outro caso em Curitiba que já teve sentença na primeira instância, o do sítio de Atibaia (SP) frequentado pelo ex-presidente Lula, a apresentação das alegações finais ocorreu também dessa maneira, agora questionada.
Em novembro do ano passado, a juíza Gabriela Hardt fixou prazo de “dez dias para as defesas” apresentarem essas manifestações, sem distinguir entre delatores e delatados. Apenas o Ministério Público, responsável pela acusação no processo, e a Petrobras tinham prazos diferentes nesse item. O caso do sítio está em recurso na segunda instância.
No caso do tríplex de Guarujá, pelo qual Lula foi condenado e cumpre pena, não havia réus com acordos de colaboração homologados.
A defesa do ex-presidente já disse ter visto similaridades entre o caso de Bendine e os de Lula.
O advogado Cristiano Zanin, que defende o petista, estava presente na sessão da Segunda Turma do STF. A decisão, segundo ele, reforça que a defesa deve ter a última palavra sempre no processo para ter a oportunidade de rebater qualquer acusação dos outros réus.
“Ao ex-presidente Lula não foi dada a última palavra nos processos de Curitiba após ele ser indevidamente acusado por corréus”, disse Zanin. Segundo o advogado, a apresentação das alegações finais de Lula junto com a de delatores nos processos da Lava Jato é discutida pela defesa em recursos já apresentados.
Bendine assumiu a presidência da Petrobras em fevereiro de 2015, no governo Dilma Rousseff, no auge da Lava Jato. Ele foi preso sob suspeita de ter pedido R$ 3 milhões à Odebrecht para proteger a empreiteira em contratos com a estatal, conforme delataram ex-executivos.
Em abril deste ano, a Segunda Turma já havia determinado a soltura de Bendine, que estava preso preventivamente desde julho de 2017. Na ocasião, sua defesa sustentou que ele estava em prisão provisória havia muito tempo, o que na prática estava funcionando como antecipação da pena.
A manutenção da condenação em segundo grau veio depois da soltura. O TRF-4 estava em vias de julgar seus últimos recursos, o que permitiria, com base na jurisprudência vigente, que ele voltasse a ter a prisão decretada.
A Segunda Turma julgou nesta terça um recurso de Bendine contra decisão monocrática (individual) de Fachin, que negara suspender a condenação para que os advogados pudessem se manifestar por último na ação penal.
O clima se tornou desfavorável para Moro desde que as mensagens de Telegram trocadas entre ele e procuradores da Lava Jato passaram a ser divulgadas pelo Intercept e outros órgãos de imprensa.
As mensagens expuseram a proximidade entre o então juiz e os procuradores e colocaram em dúvida a imparcialidade deles.
Caso haja entendimento de que Moro estava comprometido com a Procuradoria (ou seja, era suspeito), as sentenças proferidas por ele poderão ser anuladas, o que depende de análise caso a caso.