Por Cleber Oliveira, da Redação
MANAUS – Com 33 partidos registrados, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) analisa 77 pedidos para criação de novas agremiações. Para o cientista político Luiz Domingos Costa, do Observatório de Conjuntura e professor de Ciência Política do Centro Universitário Internacional Uninter, o que mais surpreende não é essa quantidade de legendas e novas solicitações (algo que já experimentamos nos anos 1980), mas sim o crescimento de siglas com assentos na Câmara dos Deputados.
“Essa explosão tem algumas causas. Em primeiro lugar, a existência de um sistema eleitoral de lista aberta (que o voto se dá nos candidatos, preferencialmente) em distritos eleitorais com muitas cadeiras legislativas (entre oito no Acre e 70 em São Paulo). Essa combinação faz com que alguns candidatos muito populares possam se eleger com os seus votos individuais ou ainda, o que é pior, eleger outros candidatos com votação muito aquém da média dos eleitos”, explica.
“Além disso, o Supremo Tribunal Federal autorizou que um deputado possa migrar para um partido recém-criado, impedindo a migração para partidos previamente existentes. Com isso, criou um incentivo para que os parlamentares descontentes em suas organizações criem um partido para chamar de seu. Finalmente, a criação do Fundo Eleitoral e o aumento do Fundo Partidário também incentivam a criação de novos partidos por políticos interessados em comandar vultuosos recursos para suas campanhas”, avalia.
Em entrevista ao ATUAL, Luiz Domingos diz que o pouco tempo de democracia no Brasil, o excesso de partidos aliado ao financiamento público, e a personalização dificultam o “enraizamento” social das instituições partidárias.
Pergunta – Por que, no Brasil, o eleitor não se identifica com os partidos como ocorre nos EUA com democratas e republicanos?
Luiz Domingos – A diferença entre Brasil e EUA, no quesito identificação partidária, se deve a inúmeros fatores. Em primeiro lugar, o tempo. Os dois maiores partidos norte-americanos têm uma história centenária, pois nasceram no século XIX e atuam ininterruptamente em todo o território do país desde então. No Brasil, os partidos contam com algumas décadas, a maioria tendo surgido ao longo do atual ciclo democrático, que ainda não completou 40 anos. Ainda assim, temos muita descontinuidade dos nomes ou da própria existência dos partidos, quando alguns se fundem com outros e deixam de existir nominalmente. Em segundo lugar, o número de partidos. Um contexto com muitos partidos produz excesso de informações e isso tende a embaralhar o entendimento para o eleitor comum. Em terceiro, o sistema eleitoral adotado aqui, responsável pelo grande número de partidos, contribui para que as campanhas sejam baseadas nas virtudes pessoais dos candidatos, em detrimento das características dos partidos ou dos programas. Em campanhas personalizadas, as siglas perdem importância e, com o passar do tempo, deixam de conseguir algum enraizamento social.
O fato de não terem uma identidade reflete na eleição de maus candidatos, no sentido da qualidade dos representantes políticos?
Domingos – Este é um ponto controverso entre os especialistas. Para alguns, não existe relação entre a fragilidade dos partidos e a qualidade dos representantes eleitos. Para outros, nos quais me incluo, existe. Com isso, penso que partidos muito personalistas e sem participação da sociedade civil sejam um terreno favorável para políticos que não prestam contas de suas ações para a sociedade. Além do mais, com muitos partidos e o aumento das candidaturas a cada eleição, torna-se mais difícil identificar e punir eleitoralmente os políticos que contrariam as expectativas dos seus eleitores.
A existência do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário representa financiamentos fáceis aos partidos. Essa fonte, aliada à falta de identidade dos partidos, favorece a infidelidade partidária?
Domingos – Como a criação do Fundo Eleitoral e o aumento do Fundo Partidário são recentes, ainda não se pode afirmar isso categoricamente. Mas a minha impressão é a de que sim. Com mais partidos no mercado eleitoral, ocorre aquela confusão das plataformas e programas que mencionei anteriormente. Nesse ambiente, é muito difícil diferenciar os partidos entre si. Nesse caso, o incentivo para a permanência no partido deixa de ser um conjunto de ideias e tende a se tornar outros recursos, como o acesso à patronagem (cargos concedidos pelos governos) e os fundos de financiamento eleitoral. Mas essa hipótese ainda precisa ser investigada de modo mais sistemático pelos estudiosos.
Em campanhas personalizadas, as siglas perdem importância e, com o passar do tempo, deixam de conseguir algum enraizamento social.
O fim das coligações proporcionais tende a enfraquecer ou fortalecer os partidos?
Domingos – Fortalecer. Ela dificultará a continuidade dos menores partidos. Se de fato reduzir o número de organizações parlamentares, o fim das coligações pode deixar o jogo mais inteligível para o eleitor. Além do mais, evita a transferência de votos entre partidos, o que no fundo contraria a vontade do votante. Assim, o voto dado ao candidato de um partido só ajudará àquele partido e não a outros partidos, como acontecia antes da proibição.
A cláusula de desempenho de 1,5% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados tende a favorecer os grandes partidos. Essa exigência tende a privilegiar as agremiações já consolidadas e concentrar a representação política popular em poucas legendas?
Domingos – Sim, esse é o objeto da cláusula de desempenho. Mas “poucas” não significa três ou quatro. O impacto ainda não é completamente previsível e não deve chegar a tanto, mas se reduzir pela metade ou um pouco mais, concentrando a representação em algo em torno de dez ou doze partidos, creio que já deixa o sistema político mais enxuto e organizado.
Como o senhor avalia as candidaturas coletivas? São uma alternativa para fugir das coligações?
Domingos – Não. Candidaturas coletivas ainda são iniciativas incipientes de organizações civis ou coletivos de eleitores (que varia de quantidade, mas gira em torno de poucas pessoas) e ainda não possuem regulamentação pela justiça eleitoral. Na prática, portanto, uma candidatura coletiva não tem existência jurídica e, se ocorrer de obter uma cadeira, apenas um nome pode ser diplomado. As coligações, diferentemente, eram alianças entre partidos com muitas candidaturas e na qual ocorria, para efeitos de cômputo dos votos, uma fusão entre os partidos coligados. Finalmente, as candidaturas coletivas visam dar maior pluralidade e base social para os mandatos parlamentares. As coligações eram tão somente estratégia para os partidos aumentarem a quantidade de cadeiras parlamentares.