No último dia 18 de agosto, o pesquisador Willas Dias da Costa se tornou o mais recente Doutor em Antropologia Social na Amazônia ao defender uma importante Tese intitulada Os patrões do Purus: elites fundiárias, poder e novas dinâmicas territoriais no sul do Amazonas, realizada no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas.
Dentre as muitas qualidades deste estudo teórico-acadêmico, destaca-se uma análise profunda dos mecanismos e estratégias de perpetuação das relações de poder na Amazônia. Mesmo sendo um estudo localizado nos municípios do percurso do rio Purus, a pesquisa é representativa e fornece elementos capazes de contribuir para novos estudos de outras regiões da Amazônia que passam por processos históricos, econômicos, sociais e políticos muito parecidos com o recorte apresentado na tese.
Sob a orientação da professora doutora Thereza Cristina Cardoso de Menezes, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, durante quatro anos, o pesquisador realizou intensa pesquisa de campo com descrições minuciosas das trajetórias políticas, econômicas, sociais e culturais de diversos grupos sociais da região do médio rio Purus. Diversos foram os resultados deste intenso trabalho, dos quais destaco apenas alguns para lançar luz às nossas reflexões e aprender um pouco mais sobre a Amazônia.
O estudo constata que na Amazônia o poder encontra-se presente em todo processo histórico e vai se reconfigurando de acordo com as mudanças contextuais em diferentes momentos e com manifestações variadas, como é o caso dos patrões do Purus que representam as elites fundiárias, os comerciantes e os políticos locais, com importante influência nas novas dinâmicas territoriais no sul do Amazonas.
A exemplo de outras regiões da Amazônia, o médio Purus representa uma área extremamente cobiçada por causa das suas riquezas naturais. Neste contexto, os interesses econômicos se apresentam em novos arranjos de controle e em diferentes níveis de dominação social, política e econômica dos povos e dos recursos naturais da região rica em pescado, castanha, minérios, látex, produtos agroecológicos, além da diversidade linguística e cultural dos diversos povos indígenas que vivem às margens do Purus e seus afluentes.
“A referida tese é resultado de extensa pesquisa de campo realizada com diversas lideranças locais, representantes das organizações dos povos indígenas e dos movimentos socioambientais, e revela as novas dinâmicas de poder representadas nas forças políticas regionais que passam a atuar através de pessoas que se colocam como mediadoras no campo político e como representantes dos interesses regionais com extraordinária representatividade popular e influência política na região”, afirma o autor.
Na verdade, tratam-se de pessoas que usam a política para defender interesses pessoais e para garantir o crescimento de suas economias, quase sempre resultantes da exploração dos recursos naturais e da mão de obra dos povos indígenas, extrativistas e trabalhadores rurais. Isso tem resultado em intensos conflitos socioambientais e em importantes deslocamentos de grupos indígenas e seringueiros obrigados a deixar a floresta e migrar para as cidades que margeiam o Purus.
De acordo com o pesquisador o estudo baseou-se no levantamento de registros documentais sobre a região, na produção historiográfica, na observação participante e na coleta de relatos de patrões, políticos, empresários, trabalhadores rurais, extrativistas, indígenas e religiosos que atuam nos municípios do Médio Purus. Através da observação, de inúmeras entrevistas de campo e de detalhada etnografia (estudo descritivo), o pesquisador identificou os processos de desenvolvimento e declínio da economia seringalista na região, seus impactos e consequências para os processos de definição das Terras Indígenas e das Unidades de Conservação, atentando para os processos de mobilização e gestão territorial dos diversos agentes sociais que dele participam.
Outro elemento importante do estudo é a constatação da estratégica omissão do Estado enquanto presença institucional na região que resulta no fortalecimento, legitimidade e persistência da dominação privada destes territórios em múltiplas formas de dominação com atenção especial para a forma como a gestão territorial vêm sendo conduzida para a manutenção e controle da dinâmica do poder local.
De forma bastante didática, o pesquisador descreve como os antigos seringalistas, mais conhecidos como “patrões da borracha”, se transformaram nos novos “patrões da madeira” mudando a atividade econômica de acordo com as transformações sociais e políticas da região que passou a ser governada por uma espécie de “patronagem institucional” muito presente no universo popular, nas memórias e relatos recolhidos ao longo do estudo.
O pesquisador chama a atenção ainda para a estreita relação entre o Estado e seus aparatos institucionais, permitindo e salvaguardando a rápida transição econômica do
‘patronato de gerações’ e a inserção dos novos “patrões na política regional” garantindo o controle econômico e político nas mãos dos atuais “patrões do Purus” que asseguram repassar o poder para as gerações futuras, num círculo fechado que inclui apenas as “elites fundiárias, os comerciantes locais, os madeireiros e os políticos”.
A defesa pública desta tese ocorre num momento bastante oportuno do atual contexto político em que o presidente determina arbitrariamente a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) localizada no nordeste da Amazônia, e permite a entrega vilipendiosa da exploração mineral nas mãos de empresas estrangeiras com interesse apenas de explorar as riquezas da região deixando para trás um rastro de destruição, como tem ocorrido em diversas áreas de mineração.
Por fim, estudos como o apresentado nesta tese nos permitem conhecer mais a Amazônia e ter maior clareza de como se processam as relações de poder e dominação na região. Indicado pela banca examinadora para imediata publicação, o texto completo em breve estará disponível, gratuitamente, para leitura e download no site www.ufam.edu.br. Vale a pena conferir o texto na sua íntegra.
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Excelente reflexão. Gostaria de ter acesso a pesquisa que contribuirá bastante co nossos conhecimentos!
Gina