No dia 10 de dezembro celebramos o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Essa celebração não somente faz memória da oficialização da Declaração Universal dos Direitos Humanos, fato que ocorreu em 1948, mas também é uma oportunidade da humanidade reforçar a importância dos direitos fundamentais sem os quais ela não conseguiria evoluir em direção a um mundo cada vez mais justo, fraterno e sustentável.
Estamos falando de garantias baseadas no princípio do valor incomensurável do ser humano, assim como na sua dignidade e igualdade fundamental, respeitando a diversidade cultural, religiosa, racial e de gênero. Estamos nos referindo a garantias fundamentais que criam as mínimas condições de vida para todos os seres humanos: liberdade, segurança, trabalho, repouso, saúde, alimentação, vestuário, habitação, educação, serviços sociais indispensáveis, meio ambiente saudável e outros.
É verdade que tais direitos ainda encontram resistências em grupos e nichos obscurantistas. No entanto, além de festejar a Carta dos Direitos Humanos, esta celebração costuma lançar luzes nos terrenos onde tais direitos ainda são violados. Infelizmente, no contexto da Amazônia o terreno de violação dos direitos humanos ainda abrange dimensões gigantescas, afetando a dignidade de muitas populações. Por isso, o Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental – Sares – dedicou esta data para refletir sobre as populações indígenas.
Neste sentido, o Sares realizou uma transmissão ao vivo a partir do Espaço Loyola (jesuítas). A iniciativa foi mediada pelo jesuíta Sandoval Alves e pela Advogada Térida Guanipa, que é especialista em direitos humanos e analista social do Serviço Jesuíta ao Migrante e Refugiado (SJMR). A reflexão sobre os direitos humanos no contexto indígena foi realizada pelos próprios representantes dos povos indígenas da região amazônica que vivem na cidade de Manaus.
Entre os representantes indígenas estava Helen Greice, que falou em nome da Comunidade Nova Vida, que foi fundada em 03 de agosto de 2018, no espaço de um antigo cemitério indígena, no bairro Nova Cidade. Na localidade existe uma Associação multiétnica integrada por indígenas e outros moradores ali estabelecidos. Ao total a comunidade soma 372 famílias indígenas e 900 famílias brancas.
Helen destacou a necessidade de garantir o direito à cidade para os indígenas. Além disso, a líder registrou as dificuldades das famílias indígenas encontrarem escolas para os jovens e acessarem ao sistema de saúde. A comunitária aproveitou para denunciar a falta de saneamento básico na comunidade e se queixou de que os órgãos públicos que cuidam dos indígenas abandonaram esta população à sua própria sorte.
A reflexão também foi enriquecida por Domingos Vieira, representante do Assentamento indígena Sol Nascente, localizado no perímetro dos bairros Francisca Mendes, Alfredo Nascimento, Nova Cidade e Fazendinha. O Assentamento existe desde 1992, sendo formado por diversos povos entre os quais estão os Muras, os Miranhas, os Apurinã, totalizando 14 etnias, que soma 420 famílias.
Domingos também destacou as dificuldades dos povos ao viverem na cidade de Manaus, uma vez que eles estão sendo constantemente desrespeitados nos seus direitos mais básicos. Ele frisou ainda o quanto esses povos são agredidos pelas empresas privadas, que buscam se apropriar dos seus territórios. A liderança também se queixou da inércia dos políticos que estão em Brasília para representar as diferentes populações.
Na verdade, denuncia Domingos, eles querem mesmo é abolir os povos indígenas através de uma legislação desfavorável, como o PL 490. Com voz forte, a liderança bradou: “basta de perseguição aos povos indígenas!, “não ao desmatamento!” e “não ao garimpo!”.
O povo Warao também abrilhantou a transmissão do Sares sendo representado por Aleida Cardoso e Reinaldo, provenientes da Venezuela, nosso país vizinho. Eles destacaram as dificuldades encontraram durante o processo de migração, acarretando inclusive inúmeras mortes. Estes indígenas procuram no Brasil atendimento médico, assistência básica, viver sem violência e com trabalho, pois todos esses benefícios constituem direitos humanos, independentemente do país em questão.
Para concluir, o povo Yanomami foi representado pelo professor Gersen Baniwa, que visibilizou uma campanha em defesa desta população. Trata-se de uma iniciativa da Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas – FANDDI – que busca sensibilizar toda a sociedade civil e cobrar do poder público efetividade na garantia dos direitos dos povos originários.
No Brasil, estes povos se encontram em condições de extrema vulnerabilidade, sendo tal situação mais agravada no atual governo federal, que evita demarcações de terras e enfraquece ou desmonta entidades de proteção aos indígenas.
O professor destacou que a campanha constitui um grito de resistência e pela vida dos povos indígenas do Brasil e do mundo no Dia Internacional dos Direitos Humanos. Nesta situação de vulnerabilidade destaca-se o povo Yanomami, que passa por uma tragédia humanitária. Segundo o indígena, este povo está sendo exterminado pela malária, pela subnutrição, pela irresponsabilidade do poder público que os abandonou e os entregou aos grileiros e garimpeiros violentos.
Diante desta situação, diz o professor, não é possível ficarmos calados, mas é necessário darmos um “basta aos crimes contra o Brasil e contra os Yanomami”.
O evento ressalta a importância dos direitos humanos, chamando a atenção para as situações mais vulneráveis encontradas na Amazônia. Há uma convicção de que tais direitos somente serão implantados na medida em que a democracia seja fortalecida, levando em consideração as vozes das populações mais fragilizadas, como os povos indígenas e tradicionais. A Transmissão lembra que as sociedades ditatoriais e autoritárias não favorecem os direitos humanos, pois não abrem espaço para a diversidade e para cidadania.
Neste Dia Internacional dos Direitos Humanos toda a humanidade é convidada a celebrar as conquistas cidadãs e reforçar as lutas contra todos os movimentos antidemocráticos e opressores. O reconhecimento destes direitos pela Organização das Nações Unidas (UNO) indica que apesar dos tempos sombrios vividos no Brasil contemporâneo, é possível prever com algo melhor que envolva a todas as pessoas, povos e culturas.
No contexto amazônico, tais direitos nos lembram que vivemos em sociedades e por isso precisamos estimular atitudes de respeito mútuo e solidariedade que alcançam também os seres não humanos.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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