EDITORIAL
MANAUS – A defesa do armamento da população no Brasil tomou um novo gás durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro. O argumento foi sempre o de que os “cidadãos de bem” não podem andar desarmados enquanto os “bandidos” estão aramados.
“Bandidos”, neste caso, não tem o significado original no discurso dos soldadinhos fardados com a camisa da seleção brasileira de futebol, mas é usado para definir qualquer pessoa que comete crime.
Outro argumento dos defensores da população cada vez mais armada é o de que uma pessoa armada tem mais chances de se defender das ações de criminosos. Outra tolice.
Os fatos têm mostrado que os chamados “cidadãos de bem” de arma na mão são um perigo para a sociedade tanto quanto os “bandidos”. E cometem crimes da mesma forma e até mais atrozes, quando estão de arma em punho.
O mais recente, de muitos nos últimos anos, foi o do policial civil investigador Raimundo Nonato Monteiro Machado e da mulher dele, Jussana Machado. Machado também é conhecido por ser mestre em Jiu-Jitsu e há dois anos foi homenageado na Câmara Municipal de Manaus com medalha pelo desempenho no esporte.
Na última sexta-feira (18 de agosto), ele e a mulher se envolveram em uma briga que terminou com um advogado baleado na perna, com tiro disparado pela mulher do policial civil.
As cenas gravadas por câmeras de segurança são chocantes. Enquanto a mulher agride com socos e pontapés uma babá que trabalha para o advogado, no estacionamento do condomínio onde moram, o policial a incentiva: “Bate na cabeça dela, na cabeça dela. Quebra a cara dela”.
Quando o advogado se aproxima para socorrer a babá que apanhava, o policial civil o encontrou com um soco. Imediatamente depois, retira a arma de fogo que está na cintura e a entrega à mulher dele. Jussana empunha a arma e passa a ameaçar quem se aproxima da briga dos dois. Entre um soco e outro, a mulher armada dá uma coronhada na cabeça da babá. Em seguida, se aproxima do marido e do advogado e atira.
Em julho de 2022, um policial penal não gostou de uma festa que era realizada em um clube, na cidade paranaense de Foz do Iguaçu, porque o tema da ornamentação tinha a foto de Lula e as cores do PT. O aniversariante que comemorava seus 50 anos foi assassinado na frente dos convidados por uma série de disparos feitos pelo policial.
Em outubro de 2022, a deputada federal Carla Zambelli (PL) se envolveu em uma discussão com um homem, na rua, que defendia a candidatura de Lula. A temperatura da discussão aumentou e ela sacou uma arma de fogo e saiu à caça do militante até uma lanchonete. Não chegou a atirar, mas humilhou o adversário político e causou medo aos frequentadores do local.
Os três casos tem um detalhe em comum: todos os que empunhavam arma de fogo se autodeclaram “cidadãos ou cidadãs de bem”.
Não se pode minimizar esses fatos e tratá-los como isolados. “Cidadãos de bem” ou “cidadãos do mal”, com uma arma na mão se tornam valentões e cometem crimes. São raras as vezes que em meio a uma confusão o portador de uma pistola ou revólver ou seja lá que tipo de arma for não dispara contra o adversário.
E quando isso acontece, o “cidadão de bem” passa à condição de “bandido”. A sociedade brasileira não pode tolerar esse tipo de ação, independente de quem a pratique. O crime não pode ser tratado com dois pesos e duas medidas.
A segurança da população é um dever do Estado, e como tal, o caminho para a paz é desarmar “bandidos” e “cidadãos de bem”. A tese do armamento da população como forma de prevenção da violência é a maior falácia que já se inventou na história.
O que se deseja é que tanto os “cidadãos de bem” quanto os “bandidos” tenham o mesmo tratamento quando do cometimento de crimes: punição exemplar nos limites da lei.