Por Tiago Paiva, especial para o ATUAL
MANAUS – O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) abriu nesta segunda-feira um processo para avaliar uma campanha recente da Volkswagen. A campanha, que celebra 70 anos da marca no Brasil, usou a inteligência artificial para recriar digitalmente a cantora Elis Regina, falecida em 1982.
A questão em pauta é complexa e multifacetada. Por um lado, a ressurreição digital de pessoas falecidas através de vídeos gerados por inteligência artificial pode ser vista como uma forma de homenagem. No caso da campanha da Volkswagen, a recriação digital de Elis Regina foi planejada para marcar um momento histórico de transição e renovação da marca, reunindo-a com sua filha, Maria Rita, num dueto virtual.
Entretanto, o processo levanta questões éticas significativas. Como a tecnologia pode afetar os direitos de imagem e privacidade dos falecidos? Neste caso, a Volkswagen afirma que obteve permissão da família de Elis Regina, o que poderia ser visto como um tipo de “consentimento póstumo”. No entanto, o questionamento persiste sobre a ética desse tipo de prática, especialmente quando aplicada a indivíduos que não tiveram a chance de dar consentimento em vida.
Ademais, há a consideração do potencial dano psicológico para os familiares e amigos que veem uma versão digital de uma pessoa amada. É ético trazer uma pessoa falecida de volta à vida, mesmo que apenas digitalmente, para fins comerciais?
Os desenvolvedores de inteligência artificial também carregam uma responsabilidade ética. O avanço tecnológico permitiu que imagens e vozes pudessem ser recriadas com um nível de realismo nunca antes visto. No entanto, onde estão os limites entre a inovação e o respeito pela memória e dignidade dos falecidos?
O CONAR, em sua missão de impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou a empresas, e de defender a liberdade de expressão comercial, tem o dever de ponderar sobre estas questões.
Em um comunicado oficial, a Volkswagen reiterou seu compromisso em ser uma empresa cada vez mais humana e próxima das pessoas, usando a campanha como um exemplo disso. A campanha, afirmou a Volkswagen, foi projetada para simbolizar a transição das gerações e a renovação da marca.
No entanto, independentemente das intenções, a controvérsia demonstra que estamos entrando em um território desconhecido quando se trata do uso da inteligência artificial na publicidade, particularmente quando envolve a recriação digital de indivíduos falecidos. As implicações éticas desta nova fronteira são algo que certamente exigirá reflexão, discussão e regulamentação cuidadosas.
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