Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – A Justiça do Amazonas negou, na última quinta-feira (24), um pedido da OAB-AM (Ordem dos Advogados do Brasil – Amazonas) para anular busca e apreensão contra o advogado Diogo Dias Dutra na Operação Boca Raton, deflagrada em dezembro de 2020.
A operação investiga crimes contra a administração pública e de lavagem de dinheiro supostamente praticados pela ex-primeira-dama de Manaus Elisabeth Valeiko – mulher do ex-prefeito Arthur Virgílio Neto –, a filha dela, Paola Valeiko Molina, e o genro, Igor Gomes Ferreira.
Entre os objetos apreendidos pela Polícia Civil do Amazonas na casa do advogado, no bairro Aleixo, zona centro-sul de Manaus, está um pendrive com o nome “Elisabeth Valeiko”. Os policiais também apreenderam celulares, tablets e notebooks.
A OAB-AM entrou no caso com um habeas corpus pedindo a anulação da busca e apreensão sob argumento de que Dutra, na condição de advogado, sofreu “violação às suas prerrogativas profissionais”, pois os policiais apreenderam instrumentos de trabalho dele.
“Foram apreendidos em sua casa instrumentos de trabalho, sem o devido resguardo de informações sigilosas e frágeis de clientes que nada têm a ver com a investigação criminal em andamento”, afirmou a OAB-AM.
De acordo com a entidade, a decisão judicial que autorizou a busca e apreensão contra Dutra não tem fundamentação capaz de decretar a quebra da inviolabilidade do advogado prevista no Estatuto da Advocacia. O inciso II do Artigo 7º da Lei 8.906/94 traz o seguinte teor:
“São direitos do advogado: II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”.
A OAB afirmou que a decisão não especificou os limites da abrangência da ação e nem a conduta ilícita supostamente praticada pelo advogado. Além disso, não foi garantido a Dutra o direito à presença de um representante da entidade no cumprimento do mandado judicial.
A OAB pediu, em caráter liminar, a anulação da busca e apreensão e o desentranhamento das provas obtidas através delas que tiverem relação com a atividade profissional do advogado. A entidade também pediu a restituição dos bens apreendidos e exclusão de cópias.
Na prática, o pedido, caso fosse aceito pelos desembargadores da Segunda Câmara Criminal do TJAM, beneficiaria a ex-primeira-dama, a filha e o genro dela, pois as provas colhidas contra eles não poderiam ser usadas pelo MP na investigação.
Fato posterior ao cumprimento da busca e apreensão na ‘Boca Raton’ foi o sequestro e bloqueio de bens de Igor Ferreira e Paola Valeiko avaliados em R$ 17 milhões, conforme publicação do jornal Acrítica em janeiro deste ano.
Intermediador
No pedido para realizar busca e apreensão, o MP-AM (Ministério Público do Amazonas) afirmou que Dutra é contador de Igor Ferreira e teria sido intermediador da compra da empresa Lince Comercial, franquia do restaurante Pizza Hut.
De acordo com o MP, o advogado aparece junto aos registros da Jucea (Junta Comercial do Estado do Amazonas) como representante de empresas pertencentes a Igor Ferreira e Paola Valeiko, além de ser sócio-administrador da Tresd Serviços.
As investigações apontam que essa última empresa aparece em planilhas de controle de faturamento da G.V. Intermediação de Negócios, cujos sócios proprietários são Paola Valeiko e Igor Ferreira. Os documentos foram encontrados em equipamentos apreendidos.
Sem vícios
Ao analisar o pedido da OAB, o relator do habeas corpus, desembargador Jomar Fernandes, sustentou que não há “vícios de ilegalidade” na decisão judicial, pois o magistrado que autorizou os mandados considerou a “vasta documentação” do inquérito.
“Nesse particular, o juiz a quo baseou suas razões nas circunstâncias fartamente expostas no procedimento persecutório, por entender que a medida pleiteada é proporcional em relação aos crimes investigados”, afirmou Fernandes.
O relator afirmou que não há necessidade de especificar a conduta ilícita eventualmente praticada por Dutra, pois ele ainda está na condição de representado. Para Fernandes, o envolvimento dele com os investigados é suficiente para o deferimento das medidas.
Sobre os objetos apreendidos, o desembargador rejeitou o argumento de que “a apreensão de aparelhos eletrônicos, nos quais estão inseridas informações sigilosas de outros clientes, configure violação às prerrogativas funcionais do advogado”.
De acordo com o relator, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) tem entendimento de que não há como exigir que os policiais filtrem, instantaneamente, no cumprimento do mandado, os arquivos digitais que tenham “pertinência direta ou inequívoca” com a apuração.
“A simples alegação de que nos dispositivos apreendidos contém dados de outros clientes, não relacionados às investigações, não tem, por si só, o condão de macular a legalidade da diligência executada”, afirmou Fernandes.
O desembargador sustentou que o advogado não é impedido de, caso surgir elementos que demonstrem a apreensão de “objetos estranhos à persecução penal”, pedir o “reconhecimento de tal circunstância e o desentranhamento da evidência”.
O relator também rejeitou a alegação de que o mandado de busca foi genérico. Segundo ele, em julgamento recente, o STJ decidiu pela “desnecessidade da delimitação exauriente dos limites de abrangência do ato, ainda que se tratem de documentos de natureza sigilosa”.
Sobre a falta de representante da OAB no cumprimento do mandado, Fernandes sustentou que a garantia visa resguardar o local de trabalho do advogado e os dados relacionados ao exercício da advocacia, mas não é o caso de Dutra.
“(…) inexistindo nos autos elementos que indiquem ser esse o caso em exame, eis que Diogo foi representado em razão de atos relacionados ao exercício de suas funções contábil e empresarial, como fartamente exposto em linhas anteriores”, disse Fernandes.
Procurada pela reportagem, a presidente da OAB-AM, Grace Benayon, informou que a Comissão de Prerrogativas está cuidando do caso. O ATUAL não conseguiu falar com o representante da comissão.
O ATUAL não conseguiu contato com os investigados Elisabeth Valeiko, Paola Valeiko e Igor Gomes Ferreira, e nem com Diogo Dias Dutra.