Neste ano reafirmamos o lugar privilegiado de Manaus na produção de riqueza, evidenciando a escandalosa contradição social vivida na capital amazonense. Os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao ano de 2019, mostram que Manaus alcançou o sexto lugar no ranking dos municípios brasileiros que mais geram riqueza, ficando atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e Curitiba.
Com o maior Produto Interno Bruto (PIB) das regiões Norte e Nordeste, Manaus ostenta uma produção na ordem de R$ 84.867.423,00 milhões de reais, considerando a soma de todos os bens e serviços produzidos. A cidade se destaca na produção industrial, que tem recebido constante apoio do Estado através de incentivos fiscais e tirado proveito de outros benefícios, como a imensa disponibilidade de matéria prima e a oferta de baixos salários aos trabalhadores.
Simultaneamente, o IBGE divulga informações sobre as condições sociais de Manaus e do Amazonas, sugerindo a existência de um grande fosso social, na medida em que os recursos socialmente produzidos no território são apropriados por reduzido grupo de privilegiados, promovendo a precariedade social na vida da maioria da população.
Gerida a partir da lógica da acumulação capitalista, a imensa riqueza produzida na região, ao invés de melhorar as condições de vida do conjunto da população, provoca o distanciamento das classes sociais, elevando os conflitos e a segregação social e aumentando a injustiça social.
Nesse sentido, o IBGE mostra que metade da população do Amazonas sobrevive na pobreza ou extrema pobreza, sendo que meio milhão vive em extrema pobreza (ganham menos de R$ 155,00 reais por mês) e 1,79 milhão de pessoas vivem com até meio salário mínimo.
O estado do Amazonas tem a maior população do país na linha da extrema pobreza. Esta situação pode ser visualizada em Manaus através das condições de moradia implantadas na cidade.
O IBGE divulgou, no ano 2020, que metade dos domicílios existentes em Manaus (53,38%) está em aglomerados subnormais – mais conhecidos como favelas, invasões, palafitas e loteamentos. O Instituto estima que a capital amazonense tem 653.218 domicílios ocupados. Deste total, 348.684 são construções inadequadas de moradia, indicando a situação de pobreza instalada na cidade, apesar da grande riqueza produzida.
A desigualdade social constitui uma das características principais do modelo de desenvolvimento adotado no Brasil e na Amazônia, contribuindo para a formação de uma sociedade injusta e autoritária. Olhando ao nosso redor, podemos constatar que nesta sociedade há uma forte estratificação social, reservando as melhores condições de vida para uma pequena elite e deixando a maioria da população em situação precária, sem usufruir de direitos básicos como moradia digna, educação de qualidade, saúde e emprego.
Esta lógica espoliativa também se materializa na gestão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, privatizado em Manaus no ano 2000. Com mais de vinte anos de concessão privada, o empreendimento tem gerado lucros significativos para os empresários através da elevação excessiva das tarifas e de empréstimos facilitados por bancos públicos. No entanto, o Sistema Nacional de Informação sobre o Saneamento (SNIS) mostra que os serviços realizados têm obtido desempenho insatisfatório, deixando parte expressiva da população sem água potável e a maioria da cidade sem os serviços de esgotamento sanitário.
Além de gerar a riqueza apropriada pela classe abastada, o grande montante de pobres é convencido de que não merece viver dignamente, a fim de se conformar com as condições humilhantes a eles impostas. Este sistema de produção, ao reservar as melhores oportunidades para os integrantes da classe dominante, perpetua as injustiças sociais operando através de instituições consolidadas que garantem o sucesso dos ricos e os mantém no controle de tudo.
O fabuloso PIB manauense aliado à desigualdade social reinante na cidade indica que estamos distantes de realizar ideais reconhecidos em sociedades eticamente mais avançadas como a igualdade, a solidariedade, a democracia e a cidadania. Estamos radicados em um sistema que favorece os mais poderosos, que ironicamente se utilizam de todos os argumentos para justificarem os seus privilégios, indiferentes ao sofrimento dos mais pobres e ignorando a beleza da vida que deve ser celebrada e protegida aonde quer que ela esteja. Uma inspiração que merece ser alimentada neste início de ano talvez seja a de construirmos cidades mais justas e sustentáveis, onde a riqueza socialmente produzida seja melhor distribuída entre os membros da sociedade, tornando efetivo o valor imensurável da pessoa humana, abolindo a exclusão social e cuidando das condições do planeta.
As eleições de 2022 podem direcionar tais encaminhamentos, na medida em que possibilitam corrigir as más escolhas, ainda que muitas delas já tenham produzido consequências irreversíveis.
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