Vivemos numa sociedade etnocêntrica, que apresenta grandes dificuldades de reconhecer o valor do outro. A diferença é tratada como algo a ser eliminado, pois nos iludimos com a nossa autossuficiência, que nos leva a pensar que não precisamos do outro para viver. Dessa forma, nos furtamos de nos encontrar com o outro, pois ele nos questiona e nos tira da nossa zona de conforto. Este outro, com o qual evitamos nos encontrar, é o meio ambiente.
A cultura ocidental sempre tratou a natureza como um objeto a ser estudado, manipulado, usado, vendido ou jogado fora. Nos distanciamos tanto da natureza que esquecemos que também somos parte dela. Nos consideramos superiores a ela e nos consideramos com o direito de destruí-la. E a destruindo também nos destruímos.
Esta atitude é vista de forma mais evidenciada atualmente com as grandes queimadas e o desmatamento que aniquilam a Amazônia, o Pantanal e o Cerrado. Mas, no nosso cotidiano costumamos praticar tais barbaridades de forma naturalizada, mostrando que tais costumes já estão internalizados a ponto de não chegarmos a perceber.
Em Manaus, nosso ódio contra o outro ambiental se manifesta, por exemplo, contra a rede de igarapés que corta a cidade em todas as direções, desaguando no rio Negro. Marcas originais do território amazônico, os mais de 150 igarapés que perpassam a cidade de Manaus são tratados com desprezo pela população, pelas indústrias do Distrito Industrial e até pela empresa de saneamento, que lança a quase totalidade dos esgotos da cidade nos seus leitos.
Resíduos de todas as espécies são lançados nos igarapés, transformando-os em verdadeiros lixões a céu aberto. Mazelas e doenças surgem nestes locais atingindo a saúde dos moradores e demonstrando que a prática agressiva contra a natureza se volta contra nós mesmos. A omissão dos poderes públicos sinaliza o quanto nossos líderes são despreparados para gerir, pois estão presos aos seus interesses particulares e parciais, abandonando o bem comum.
O projeto de construção do Porto das Lajes representa outro exemplo assustador de quanto odiamos o outro ambiental. Trata-se da destruição de uma das mais típicas paisagens naturais manauenses em nome da modernidade e pra gerar lucros para alguns poucos empresários portuários, presos numa visão estreita e instrumentalista da natureza. São incapazes de enxergarem sentido para além dos seus interesses corporativos. Não conseguem fazer uma experiência estética do outro, estando presos em si mesmos.
O ódio praticado contra a natureza se desdobra igualmente em ódio contra o ser humano. São milhares de pessoas afetadas por tais atitudes antiecológicas, demonstrando que a separação do homem em relação à natureza é uma mera ilusão moderna, que se desfaz a cada dia. No entanto, se somos pautados por uma cultura etnocêntrica e etnocidiária, esta mesma cultura nos apresenta os instrumentos necessários para fazermos uma reflexão sobre a nossa intervenção desastrosa na natureza.
Para isso é necessário mais do que a inteligência racional, sendo preciso libertar outras dimensões que são comumente submetidas ao domínio da razão. É necessário intuição, compaixão, mística e compromisso. É preciso reconhecer o outro na sua diferença, respeitando-lhe o direito viver e se dispor para a experiência da aprendizagem.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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Ótima reflexão. O meio ambiente como alteridade e como a maioria de “nós” só pensa em si.