Frente à implosão crescente de episódios do caos políticos e movimentações sociais, as condições de possibilidade de implosão das consciências ganham espaço e atualidade. As chamadas contradições do mundo real se acirram mostrando seu arsenal de mudanças. Não custa apostar… O novo aguarda seu momento de nascer, enquanto o velho mal se sustenta em pé.
Diante daquele que não entende a necessidade da teoria, o filósofo José Paulo Neto diz que quem erra na análise erra na política. Ou seja, está faltando apenas identificar as forças e organizar o movimento. Com esse déficit, se tornou evidente o erro das análises, que perdem de vista as reais significâncias e os verdadeiros impactos da ideologia neoliberal no contexto geral da história e do fragmento social.
E para poder fazer uma boa análise, é preciso que se leve em conta uma realidade mais ampla que é subjugada desde Platão – os afetos. Eles não são somente uma grande pista de como se configura nossa socialização, são sobretudo parte integrante da política. Olhando para o cotidiano, é imperativo perceber que o neoliberalismo é muito mais do que uma doutrina econômica, ou uma simples ideologia discursiva de gestão de bens. Ele alcançou um patamar ecumênico, emocionalista e inconsciente de estilo de vida. Aqui se trata de uma espécie de normatividade que não pretende deixar de lado um único aspecto da vida humana, com a incrível habilidade de poder nem ao menos ser percebida enquanto tal ou proclamada por uma de suas inúmeras fontes de expansão ideológica.
A ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher tinha, entre seus atributos políticos a virtude da clareza. Numa de suas imposições do ideário liberal consta uma pérola formidável, que foi capaz de sintetizar como poucas o ponto do que aqui se trata: “…a Economia é um método. E seu objetivo é transformar corações e mentes”.
E tal manutenção perante os coletivos se dá pela legitimação da ideia de indivíduo. Porém não de qualquer indivíduo – o êxito dessa ideia se faz ao articular o discurso do individualismo em equiparação ao discurso de gestão. O imperativo é adequar o maior número possível das atividades cotidianas, ao modo de produção, ao cálculo de custo, análise de risco, competitividade exacerbada, etc. E se consagra assim o indivíduo empresarial, o estado empresarial, a família empresarial – o sujeito é uma nova forma de capital.
O neoliberalismo se torna com isso um excelente modo de pautar o modo de organização da realidade psíquica, conforme gera valores na contemporaneidade. E dessa geração de valores sociais é de onde se tira o espectro de condutas, presente em todos, seja por afirmação ou negação. Ou como colocava o clássico sociólogo Max Weber, ao afirmar que o espírito do capitalismo será capaz de sair da economia e se impor em todos os ambientes e, assim, compor um cosmos social.
Tal constatação, contraditoriamente, se opõe a própria ideia liberal de natureza humana e de indivíduo. Isto é, se o ser humano possui alguma natureza metafísica, é a de se atualizar perante os estímulos do ambiente de sua época. Cada homem é um homem de seu tempo. E nada mais fidedigno com essa ideia do que constatar que numa época de um capitalismo neoliberal dominante, o sujeito exaltado seja este.
Essa constatação contribui para a compreensão de que é necessário emplacarmos a verdadeira liberdade, isto é, não aquela de poder fazer o que se bem entende – pois essa não existe – mas sim a liberdade de autotransformação, autoreinvenção. Enquanto formos afetados dessa maneira por tais valores, não seremos capazes de atualizar o novo, nem de sacudir em nós o liberalismo esquerdista da modernidade…
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Veja no site Nossa Política um artigo sobre o filme I,Daniel Blake, que aborda, dentre outros, um aspecto importantíssimo da política de Margaret Thatcher, colocando a nu esta política neoliberal que vem sendo tratada no Brasil como uma brincadeira. Brincadeira de políticos, economicistas.