Presenciando as mais recentes manifestações populares, com viés supostamente progressista, é possível enxergar o nível de alucinação coletiva que se tem hoje em geral na esquerda brasileira. “Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras; o que importa é modificá-lo”, diria o velho Marx e tudo sugere, porém, que está faltando interpretar os fatos para alçar o voo da transformação.
Iludida, ignorante ou ingênua, o segmento reflete boa parte do que temos de pior na formação intelectual do brasileiro.
“O que se deve fazer diante da situação de golpe?” É, possivelmente, a pergunta que habita a cabeça de boa parte daqueles que estão antenados nos acontecimentos políticos. Pergunta de fundamental importância, e que demanda inteligência e criatividade. Diante disso, se vê uma massa de 100 mil pessoas pedindo nas movimentações de rua outra votação popular para presidente.
Pode até ser bonito, um saudosismo que relembrou os gritos de “Diretas Já”, que marcaram o final da ditadura. Mas diante dos últimos ocorridos, é preciso mais do que nunca parar de se contentar com pouco, repensar atitudes, mudar tática e postura, para assim fazer o que de fato precisa ser feito para ser fiel a um ideário de mudança, coerente com ideias e projetos de transformação.
Os ideias universais de igualdade, liberdade e fraternidade não podem mais ser usados como pretextos para tantos erros políticos e éticos na história, é preciso acertar para mudar o mundo.
Com isso, para onde deve rumar a esquerda? Com certeza para fora do Estado, onde de fato andou fazendo tolice por absoluta inépcia na compreensão das regras do poder e sua gestão, para assumir o papel de sujeito, e conduzir as mais profundas mudanças estruturais, dando espaço para a força de trabalho, determinante na equação das mudanças. Essa percepção foi deveras dificultada com o final trágico da era petista de reformismo descabido.
Deve-se brigar agora, como nunca, por uma real democracia no Brasil, algo que nada tem a ver com votações gerais a cada 4 anos – que no máximo nos dão um senso falso de responsabilidade e comando sobre a gestão de bens nacionais.
Dada a atual conjuntura, o monitoramento das comunicações e a fragmentação da resistência, como apostar em eleições diretas como o elixir milagroso que nos livrará de todos os males? O que poderia fazer alguém que fosse eleito nessas condições adversas? Dilma não foi removida por culpa própria somente, nem Temer foi lá colocado – como vemos no áudio grampeados de Jucá por exemplo – “por ser um político preparado para realizar as demandas populares”(?).
Temer está lá para cumprir um papel muito bem definido, que Dilma não estava tão disposta a fazer com a urgência necessária. É um fantoche. Cumpre ordens. Está lá por interesses maiores.
O Brasil é um país de periferia do Capital, nossos problemas são, de certo modo, os mesmos do século passado. Isto pois não há possibilidade de real controle político pela população, nem possibilidade de emancipação real por obra e graça de uma consciência embaçada, e efetiva de submissão ao centro do capitalismo.
Há quem diga, ao fazer uma rasa análise sobre a elevação do PIB nacional, que na última década nós nos tornamos um país rico… em vez de constatar que somos um país cheio de riqueza. Para sermos um país rico essa riqueza deveria ser colocada a dispor da sociedade, e não foi isso que ocorreu.
Na verdade é o contrário que se confirmou: os excluídos foram, a rigor, iludidos ver-se momentaneamente ao ter elevado seu poder de consumo. Um acontecimento que só se realizou ao se fazer alinhado com os lucros do capital! E quando os lucros foram ameaçados, quem estava lá para sofrer um golpe pelas costas? Os mesmos de sempre, aqueles que detêm o poder de parar tudo, os trabalhadores. Como modificar o mundo sem interpretar corretamente as ilusões de mudança?