Trabalhar com adolescentes é sinônimo de ter muita paciência, como professor vivo isso na pele dentro de sala de aula. Houve momentos em que cheguei a me questionar se essa era mesmo minha vocação. Os primeiros anos de magistério foram os mais difíceis, lidar diariamente com jovens que lhe ignoram, lhe desafiam, e muitas vezes parecem indiferentes ao seu apelo, é uma prova de fogo enfrentada cotidianamente por qualquer professor.
A certeza de que o trabalho docente não é em vão só vem com o tempo, quando você reencontra anos mais tarde aqueles jovens que ensinou e percebe que eles se tornaram pais responsáveis e profissionais competentes. Aí se percebe duas coisas: I) Educar é um processo lento, gradual e que deve ser ininterrupto, e não pode haver margem para desânimo; II) Tentar educar nunca é em vão, as palavras ditas nunca se perdem, elas só não surtem o efeito imediato que nós educadores desejamos.
Quando tornei-me coordenador, e depois diretor, percebi no contato mais intenso com as famílias que os pais também sofrem com esse comportamento característico dos adolescentes. Habituei-me nesta época a frases do tipo “Eu já não agüento mais esse menino” ou “Eu já não sei mais o que fazer com esse menino”.
E nesta sensação de incapacidade diante de comportamentos por vezes inaceitáveis, pais e professores se igualavam. Contudo, uma frase dita a mim muitas vezes por uma professora em momentos de desabafo nunca mais saiu de minha lembrança: “Eu queria entender o que esses meninos tem na cabeça”.
De fato esse é um desafio muito grande: saber como um adolescente pensa, entender a sua perspectiva da vida, compreender os mecanismos de sua mente. Tudo isso é muito importante para conseguir fazer as intervenções da maneira mais adequada e menos traumática a fim de conduzi-lo de maneira saudável a uma vida adulta saudável.
Neste sentido, convido o leitor hoje a entender um pouco do cérebro adolescente, pois talvez aí esteja a chave para se encontrar um caminho de equilíbrio na convivência familiar e na escola.
As pesquisas
Muitos são os que se dedicam a compreender o cérebro humano: neurologistas, filósofos, psicólogos, sociólogos, exotéricos, religiosos, biólogos. Essa massa cinzenta com pouco mais de um quilo, encerrada em uma caixa óssea, vem desafiando gerações de cientistas que buscam desvendar seus mecanismos.
Contudo, apesar do grande interesse, somente nos últimos dez anos tivemos a possibilidade de explorar o cérebro de maneira precisa, sem causar conseqüências graves aos voluntários que se predispõe a participar das pesquisas. Muito desse avanço veio do Imageamento através de Ressonância Magnética (IRM) que possibilitou um meio seguro e preciso de se estudar a fisiologia e a anatomia cerebral.
Para a área de educação, mais precisamente para a educação básica, estudos como esse, específicos no grupo etário dos adolescentes, são de grande relevância para que professores e pais, possam entender o que impele os jovens a comportamentos que os a adultos são muitas vezes incapazes de compreender, pois nisso reside uma fonte inesgotável de conflitos que ocorrem na família e na escola.
A má notícia é que os recursos para estudos nessa faixa etária ainda são escassos, assim como ainda são poucos os neurocientistas que se especializam nela. No entanto, as poucas pesquisas existentes já mostram resultados surpreendentes que precisam ser compartilhados com a sociedade em geral. Afinal, este é um tema de interesse público.
As descobertas
As pesquisas mais recentes com IRM tem nos revelado um conflito entre duas regiões do cérebro adolescente: o córtex pré-frontral e o sistema límbico.
A primeira controla os impulsos sendo capaz de estabelecer uma relação entre passado, presente e futuro, fazendo uma avaliação de cenários a longo prazo. Esta região está associada ao que chamamos popularmente de “Juízo”.
Por sua vez, o sistema límbico controla as emoções e a sensação de recompensa. Alimentado por hormônios, passa por mudanças drásticas entre os 10 e 12 anos, promovendo uma busca incessante por novidades e a vontade de correr riscos.
As duas regiões trabalhando juntas resultariam em um ponto de equilíbrio bem interessante para qualquer ser humano, o problema seria o descompasso de uma delas em relação a outra, o que é exatamente o que ocorre na adolescência.
Enquanto o jovem é impelido pelo seu sistema límbico a aventurar-se numa busca de experiências que lhe garantam recompensas de curto prazo, o seu córtex pré-frontal ainda pouco maduro (o que só ocorrerá plenamente lá pelos 25 anos) não consegue dar-lhe a noção de perspectiva necessária para avaliar em profundidade suas atitudes e, principalmente, as conseqüências.
Vale ressaltar que o início precoce da puberdade que vem acontecendo nas últimas décadas aumenta ainda mais o lapso temporal entre a idade em que os hormônios começam a agir na região límbica e a idade em que o córtex pré-frontal alcança seu amadurecimento. Estima-se hoje que este descompasso esteja em 10 anos, sendo assim, a adolescência não é mais uma fase de quatro ou cinco anos como se pensava há algumas décadas atrás.
Potencialidades
A boa notícia é que as pesquisas mais recentes confirmam o que muitos estudos apontam na área de educação, o cérebro adolescente é muito predisposto a aprender, mas de maneira interativa, intensa, participando do processo, sendo desafiado a novas experiências que resultem em conhecimento.
O sistema límbico que a primeira vista pode parecer uma armadilha do próprio cérebro, abre uma porta de acesso tanto para o conhecimento escolar quanto para o desenvolvimento de valores e, desta forma, duas coisas são importantes: uma escola que possibilite ao adolescente dar vazão a esta vontade de conhecer o mundo através de experiências concretas que lhe garantam recompensas de curto prazo, e o interesse familiar em participar daquilo que para ele é importante.
Neste sentido o diálogo é sempre um ponto fundamental, mesmo que por vezes ele pareça não surtir o mínimo efeito. Lembre-se que com uma boa conversa (ou várias) você estará tentando desenvolver uma região do cérebro de amadurecimento tardio, mas que precisa ser trabalhada.