
“As sentinelas estão cegas. […] são como cães mudos incapazes de latir. Deitam-se e sonham; só querem dormir. São gulosos… Cada um para sua ganância, sem exceção. Tenho que gritar, tenho que lutar! Ai de mim se não o faço!” (Isaías 56)
PARINTINS – Apesar de visíveis contradições à filosofia revolucionária de Jesus de Nazaré, a bíblia cristã, vez por outra, deixa escapar anúncios singulares em apoio às bases populares silenciadas, excluídas em seus direitos fundamentais, sempre defendidas pelo Nazareno. Por essas brechas descuidadas o Profeta Isaías nos aponta pegadas de resistência e luta em defesa da Justiça Social.
É impossível negar o comparativo apontado nas citações do Profeta à atual conjuntura político administrativa. Naturalizou-se a cada novo mandato governista propagandas de projetos sociais, políticas públicas, arranjos estruturais, etc. Sob nossa tímida visão, justas intervenções não acontecerão via governos viciados, contaminados por miasmas autocratas mascarados de democracia… Até porque, o comprovado no real-concreto está sob as rédeas do sistema capitalista – vetor de exploração, de oportunismos, de desigualdades e injustiças incontroladas.
A atual crise fora anunciada nos primórdios da era do bronze, há 3.500 anos Antes da Era Comum, aproximadamente, quando sapiências ancestrais em diálogos com os códigos daquele tempo captaram e decodificaram os primeiros sinais de uma violência global em evolução; um possível terrorismo universalmente incontrolado e sustentado por sistemas mercantis aliados a dogmatismos políticos, religiosos de caráter piramidal inquisidores.
Em meio às sapiências, há de se reconhecer e referendar os “gritos” do profeta Isaías: da era do bronze à atualidade, as rasas conquistas populares vêm sendo regadas a partir de tortura e muito sangue derramado. Confirma-se o anúncio/denúncia nas obras, “As veias abertas da América Latina”, “Casa Grande e Senzala”, “O Povo Brasileiro”, “Brasil Nunca Mais”… Além de centenas de registros aprisionados que viraram cinzas.
Na contextualidade inserem-se as mulheres. Há séculos enfrentam variados tipos de inquisições. No “O anuário da Grande Mãe”, Mirela Faur testemunha: “A relação igualitária homem-mulher foi renegada, a mulher declarada um ser inferior, desprovida de alma, amaldiçoada por Deus, responsável pelos males do mundo e por isso destinada a sofrer e a ser dominada pelo homem”.
Na contramão dos dogmatismos, ocupam espaços e incansavelmente lutam contra violências naturalizadas até mesmo institucionalmente: negação de liberdades, assédios mantidos sob segredos de justiça em proteção a assediadores, submissões, torturas, abusos sexuais, exploração do trabalho doméstico e coisas parecidas.
Registros apontam as primeiras lutas e resistências femininas: pelo voto, por igualdade na educação, por igualdade civil, etc.
Em 1776, Abigail Adams, provoca o marido, John Adams, segundo presidente dos Estados Unidos: “No novo código de Leis que estais redigindo, desejo que lembreis das mulheres e sejais mais generosos e favoráveis com elas do que foram vossos antepassados… Se não for dada a devida atenção às mulheres, estamos decididas a fomentar a rebelião, e não nos sentiremos obrigadas a cumprir leis para as quais não tivemos nem voz, nem representação”.
Por questões similares, em 1857, operárias de Nova Iorque deflagram uma greve. A maioria das trabalhadoras morreu queimada.
Em 1910, outras lutadoras ocupam as ruas de Moscou com uma greve geral contra as precárias condições de trabalho e a escassez de alimentos. O ato – marco histórico mundial-, atraiu adesões da Liga Sindical de Mulheres, Sindicato Internacional dos Trabalhadores em Confecções para Senhoras e total apoio do periódico – Chicago Socialist.
Na sequência dos fatos, em 1921, Clara Eissner Zetkin, socialista alemã, cuja vida dedicada à causa das mulheres, presidira a Segunda Conferência Internacional das Mulheres, em Copenhague, aprovando a proposta do dia 08 de março, dia de luta pela libertação das mulheres. Em resposta, a Assembleia Geral das Nações Unidas declara, em 1975, a data – o Dia Internacional das Mulheres.
Seguem as lutas: aos 25 de novembro de 1960, as irmãs Mirabal: Maria, Minerva e Pátria foram assassinadas sob ordens do Coronel Trujillo, presidente da República Dominicana, por lutarem contra o modelo ditatorial, abusivo daquele governo.
Após 39 anos de clamores mundiais, em 1999, a ONU declara o dia 25 de novembro – Dia Internacional para Eliminação e Combate à Violência contra as Mulheres.
No Brasil, outros tantos ecos feministas energizam até hoje o céu da Mátria: Nísia Floresta, Bertha Lutz, Leolinda Daltro, Dandara de Palmares, Margarida Alves, Ir. Dorothy, Marielle Franco e tantas Outras…
Não há tréguas à maratona das mulheres. A cada ano, novas/velhas intervenções. Pautas de reivindicações se repetem, assim como estratégias de mobilizações: Lei Maria da Penha (11.340/2006); luta por oportunidades profissionalizantes; concurso público; efetivação da legislação do trabalho doméstico; casas de parto e centros de saúde com atendimento dignificado; legalização do aborto; divisão igualitária nos trabalhos domésticos; dignidade nos atendimentos dos presídios e por aí vai…
Embora ignorado, retumba teimosamente o brado feminista por um Feriado no 08 de março – Dia Internacional de Luta das Mulheres!
Admitimos que o presente discurso é repetitivo. E continuará! Até que o grito das mulheres seja acolhido com o devido respeito e reconhecimento. Ainda que, por um dia apenas, as mulheres merecem abster-se de quaisquer atividades funcionais/produtivas que as impeçam de celebrar livremente o dia a Elas consagrado. A economia do mundo não sobrevive sem o trabalho silenciado das mulheres!
Menos de dois meses nos separam do 8 de março. Novo ano. Nova administração. Novos projetos… Feministas parintinenses insistem no Feriado Municipal – Projeto de Iniciativa Popular encaminhado à Câmara de Vereadores aos 25 de novembro de 2019 (Dia Mundial de Combate à Violência contra as Mulheres).
A nova Câmara Municipal de Parintins, sob exercício pleno da Autonomia, pode fazer a diferença neste 8 de março de 2025: garantir, de forma justa, os salários dos treze vereadores pagos pela maioria das mulheres de Parintins, com ou sem renda.
Esperançar rima com revolucionar. E já dizia o Educador Paulo Freire: “Não se muda o mundo sem a capacidade de se indignar diante das injustiças”.
Referências
As Veias Abertas da América Latina. Eduardo Galeano/1992
Casa-Grande & Senzala. Gilberto Freyre/1992
O Povo Brasileiro. Darcy Ribeiro/1998
Brasil Nunca Mais. Arquidiocese de São Paulo/1985
O Anuário da Grande Mãe. Mirella Faur/2015
Fátima Guedesé educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia. Uma das fundadoras da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã, da TEIA de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta. Militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (ANEPS). Autora das obras literárias, Ensaios de Rebeldia, Algemas Silenciadas, Vestígios de Curandage e Organizadora do Dicionário - Falares Cabocos.
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