Nem poderia gostar, afinal nada mais previsível do que entrevista com a presidente Dilma Rousseff, como a que foi concedida nos salões suntuosos do Palácio da Alvorada ao humorista Jô Soares, que há muito tempo deveria estar aposentado. Um encontro chapa-branca, levado ao ar com interesses políticos, na tentativa de reduzir os elevados índices de rejeição que marcam o segundo mandato da lulopetista.
Conferi nos jornais o que disse a presidente. Como esperava, nenhuma novidade. Com o discurso de sempre, martelou na crise internacional, atribuindo-lhe culpa maior pela incompetência de seu governo, aliada à alta do dólar. Valeu-se também da seca no Nordeste e da estiagem no Sudeste, como fatores naturais e incontroláveis que conduzem ao descontrole de preços, sobremodo dos alimentos. Mas, sem nenhum embaraço, insiste em sustentar que logo haverá de superar a fase ruim que o país atravessa, com o retorno dos percentuais de inflação a patamares toleráveis. Para tanto, verdadeira ladainha, impõe-se a aprovação do ajuste fiscal do ministro Levy, sob a regência de princípios que Dilma e seu partido condenavam. Só faltou dizer que do contrário teremos a falência da economia e o caos, cujos alicerces encontram-se precisamente nos descalabros administrativos de sua primeira investidura presidencial.
Para apascentar inquietos petistas, radicais, bem mais à esquerda do partido, nada melhor do que reiterar que sem o ajuste nada feito, em relação aos programas sociais, do tipo Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, que experimentariam pesado retrocesso em suas metas. Falou dos projetos de investimentos do governo em logística, com aplicações previstas de cerca de 200 bilhões de reais, na construção, ampliação, recuperação e administração de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, com o concurso da iniciativa privada. No entanto, nenhuma palavra sobre programa anterior do mesmo naipe, também anunciado com pompa e circunstância, sem que se tivesse chegado a resultados mínimos na consecução dos objetivos pretendidos. Diante de tantas inconsistências, em processos internos e externos de captação de recursos, ninguém ou poucos aportarão investimentos privados em tais programas, marcados desde o nascedouro pela insegurança contratual, com margens não atrativas de lucros.
Em outras palavras, mais um grande fiasco. Mesmo assim, diante de perspectivas tão negativas, por absoluta falta de credibilidade, Dilma não perde a pose. Agora, mais magra, olheiras pronunciadas, sorriso forçado denotando permanente e indissimulável sarcasmo, uma imagem pior do que a de sempre, insiste em proclamar que manterá o Brasil em rota de crescimento, com reversão da crise ainda em sua administração. Seria cômico, por sinal, no palco do humor hoje já sem nenhuma graça, se não fosse trágico. Como reverter o quadro atual, neste ano ou no próximo, com recessão, inflação elevada e juros estratosféricos, situação agravada pela fragilidade institucional do governo e pela corrupção.
Dilma não se permite qualquer autocrítica, mínima que seja, no reconhecimento de erros que levaram o Brasil ao desastre. Em seus primeiros quatro anos, pintou, bordou e primou pela irresponsabilidade fiscal, segundo denúncia do Tribunal de Contas da União – TCU, em decisão histórica, com as chamadas pedaladas contábeis. O Ministério Público com atuação junto ao TCU, com todas as letras, admite que Dilma e seu governo violaram os artigos 10 e 11, da Lei nº 1.079/1950, que define os crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente da República e ministros de Estado. Como se vê, um passo para o impeachment. Ela agora prova o remédio amargo que deixou como herança para sua própria administração.
No plano político, perdeu as rédeas. Inapta, divide o poder com o vice Michel Temer e vive à reboque dos presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, que implantaram no país um parlamentarismo de araque, já rechaçado lá atrás pela população brasileira.
Tudo isso coonestado pelo humorista Jô Soares, fã sem nenhum rubor da presidente e com propósitos nem sempre confessáveis, em emissões televisivas decadentes, que um dia já tiveram melhor sorte e audiência.
Impressiona a desenvoltura com que agem Calheiros & Cunha (interessante designação comercial), algozes de Dilma, que compareceram sem o menor constrangimento à posse do ministro Luiz Fachin, embora processados pelo Supremo Tribunal Federal. Ambos dão as cartas e pautam as ações do governo federal. Com todo esse desenho, ainda há quem defenda o regime parlamentar, sob o possível comando de figuras que tais e tão emblemáticas, que dominam o Congresso Nacional. Aonde chegamos, triste República!
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