Entra ano e sai ano – 8 de março, Dia das Mães, Outubro Rosa, Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher, Dia Internacional da não-Violência contra a Mulher – fala-se muito sobre os direitos das mulheres, faz-se alguma coisa, mas, no fundo, pouco muda: qualquer brecha e o machismo latente em nossa sociedade afloram em justificativas para o retrocesso.
Na pauta de hoje, o PL 5069 que entre outros retrocessos modifica a definição de estupro e impede na prática que médicos e enfermeiras informem a mulher estuprada sobre seus direitos. Sob a desculpa de defender o direito à vida, Eduardo Cunha (sim, ele mesmo!) cria armadilhas para dificultar cada vez mais a vida das mulheres.
Jogando com as brechas que a lei cria, prepara condições para, além de dificultar o direito das mulheres sobre seu próprio corpo, inclusive na versão micrométrica da legislação atual, criminalizar os meios contraceptivos e os profissionais da saúde que os administram, além de constranger ainda mais as vítimas de violência sexual: elas deverão “provar” que sofreram violência sexual. Para isso, deverão levar um boletim de ocorrência registrando “dano físico ou psicológico”. Por fim, os profissionais da saúde poderão recusar-se a tratá-las conforme suas consciências.
Este PL prevê pena de prisão de seis a dois anos de reclusão a quem “induzir, instigar ou auxiliar” a gestante que desejar abortar – e isso pode ser aplicado do motorista do taxi que a leva para o hospital até ao médico que administra uma pílula do dia seguinte a uma mulher violentada. Na prática, médicos, enfermeiros e farmacêuticos estarão proibidos de falar sobre os direitos das mulheres estupradas ou de administrar a pílula do dia seguinte ou outros meios profiláticos (preventivos) às mulheres estupradas. Milhares de mulheres vão às ruas em todo o país denunciar mais esse retrocesso.
Uno minha voz a delas e convido homens e mulheres de luta e de paz a fazerem o mesmo pelo direito da mulher sobre seu próprio corpo, pelo direito a um atendimento médico de qualidade e gratuito a toda a população. Essa não é somente uma questão de princípios. Os dados são claros e estarrecedores: 50 mil mulheres relatam estupro por ano, sendo que se estima que isso represente 10% dos casos que realmente ocorrem. Dois em cada três estupros são praticados contra jovens de 10 a 19 anos. Uma em cada 5 mulheres realiza um aborto até os 40 anos. Destas, mais da metade sofre complicações e precisa de atendimento médico. As mulheres ricas fazem abortos seguros enquanto as mulheres pobres são maltratadas quando chegam ao hospital com complicações. O aborto acontece de duas a cinco vezes mais nos países onde é criminalizado.
O PL 5069 irá piorar essa situação de violência física e psicológica contra as mulheres. Não podemos nos omitir. Muriel Saragoussi é Sociambientalista e ecofeminista.
O titular da coluna cedeu o espaço em homenagem ao movimento #AgoraÉQueSãoElas, em defesa das mulheres.