Da Redação
MANAUS – O MPF (Ministério Público Federal) e a DPE (Defensoria Pública do Amazonas) ajuizaram ação civil pública, com pedido de liminar, contra três pessoas da mesma família e contra o Município de Benjamin Constant (a 1.119 quilômetros de Manaus) defendendo a reintegração de posse de terrenos localizados na comunidade Bom Jardim I, no município, em favor de indígenas Ticuna, que habitam tradicionalmente a região desde a década de 1960.
O pastor coreano Seung Man Yang, a filha dele, a brasileira Hae Ran Yang, e o pastor colombiano Andres Sueroke Florez, esposo de Hae Ran, são alvos da ação. O caso envolve a construção de muro para impedir o acesso dos indígenas ao lote de terras.
De acordo com o MPF e a DPE, os terrenos, que abrigam desde a década de 1990 uma Igreja Presbiteriana e dois alojamentos construídos pelo pastor coreano, ficaram abandonados e tomados pelo mato por mais de dez anos, entre 2002 e 2013. Nesse período, conforme a apuração, o local tornou-se ponto de venda e uso de drogas, com a ocorrência de assaltos a partir do fim da tarde.
Na ação, o MPF alega que no ano de 2013, no entanto, os moradores da comunidade Bom Jardim I realizaram limpeza e passaram a dar função social aos terrenos. Faziam reuniões comunitárias, atividades voltadas à saúde, como campanhas de vacina, atendimento médico realizado pelo Exército, palestras com psicólogos da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), prática de esporte e espaço cultural para eventos.
A construção do muro foi realizada em 2019 pelo pastor Andres Florez, genro de Seung Man Yang, que apareceu na localidade afirmando ser proprietário dos lotes e portando um título definitivo expedido pelo Município de Benjamin Constant. A obra foi autorizada pela prefeitura e chegou a ser derrubada pelos moradores, mas foi novamente construída.
A Funai (Fundação Nacional do Índio) informou ao MPF que os moradores reivindicam o imóvel território indígena desde 2004. O terreno fica ao lado do cemitério indígena.
Despejo e suposto aluguel
O MPF alega que Andres Florez também entrou, em julho de 2020, com ação de despejo contra Jorge Aiambo Zueroque, seu meio-irmão, que habitava um dos alojamentos instalados no lote de terra com esposa, filho e sogros desde 2014. À época, uma declaração de posse emitida pelo cacique e pelo vice-cacique de Bom Jardim I permitiu que a família morasse naquelas instalações.
Na ação de despejo, Andres Florez argumentou que Jorge Zueroque havia descumprido contrato verbal de locação de imóvel, no valor de R$ 50 mensais, conforme consta na ação civil pública. Após o despejo, ocorrido no dia 25 de setembro deste ano, a DPE passou a atuar no caso explicitando a inexistência do “contrato de locação verbal”.
De acordo com Jorge Zueroque, Andres o convenceu de contribuir mensalmente um valor a título de dízimo para a Igreja. Entretanto, esta quantia estava sendo utilizada “para fundamentar uma hipotética locação de imóvel”.
“Deveras, o Sr. Jorge Aiambo Zueroque afirma que jamais considerou o pagamento desse valor aluguel e o realizou para tentar uma boa relação com seu irmão biológico, o Requerido Pastor Andres, posto que são irmãos por parte de pai”, explicam o MPF e a DPE na ação. O documento ainda aponta que são distintas as assinaturas atribuídas a Jorge Aiambo Zueroque nos recibos apresentados por Andres, referentes ao suposto contrato de aluguel.
Depredação e desrespeito
A ação do MPF e da DPE também descreve os atos desrespeitosos praticados pelo pastor Andres Florez. Segundo a apuração, ele destruiu as artes indígenas desenhadas nas paredes do centro comunitário no dia 13 de novembro de 2019.
O pastor Andres Flores afirma possuir graduação em Antropologia pela Universidade Federal do Amazonas e pós-graduação pela Universidade do Estado do Amazonas.
Irregularidades em documentos
A ação civil pública aponta uma série de inconsistências nos documentos apresentados por Andres Florez e Hae Yang para obter os documentos emitidos pelo Município de Benjamin Constant, dentre eles o “instrumento particular de doação”, considerado apócrifo. Nesse documento, o coreano Seun Man Yang e a filha dele, Hae Ran Yang, doariam os lotes a Andres Florez.
“Como se pode observar, são idênticas as assinaturas do doador Seun Man Yang e da segunda donatária, Requerida Hae Ran Yang, as quais se assemelham com o autógrafo contido no documento de identidade oficial da Requerida Hae, sem qualquer semelhança com o autógrafo do Requerido Pastor Yang (…)”, explicita a ação, ao comparar as assinaturas de pai e filha.
Para o MPF e a DPE, não há dúvidas de que o Município de Benjamin Constant “não observou minuciosamente os documentos acostados ao Processo Administrativo, tampouco os requisitos de validade do ato administrativo”. Além disso, o alvará que autorizou a construção do muro foi expedido sem qualquer consideração quanto ao viés ambiental, impedindo o acesso da comunidade indígena ao lote de terras, à passagem para o rio e à vista do rio.
Pedidos
Na ação, o MPF e a DPE pedem à Justiça que proíba o pastor colombiano Andres Sueroke Florez, sua esposa, Hae Ran Yang, e quaisquer pessoas que atuem em seus nomes e interesses de se aproximarem do lote de terra, mantendo distância de 800 metros, sob pena de multa de R$ 10 mil para cada um, em caso de descumprimento.
A ação também pede a anulação judicial do título definitivo e do alvará de construção concedidos pelo Município de Benjamin Constant e a condenação da prefeitura municipal à obrigação de demolir o muro; a realização de perícia grafotécnica da assinatura de Jorge Aiambo Zueroque no recibo de locação apresentado por Andres Florez; e a condenação do colombiano por danos sociais, no valor de R$ 100 mil, e por danos morais, no valor de R$ 30 mil.