Por Eduardo Sodré, da Folhapress
SÃO PAULO – A Anfavea (associação das montadoras) revisou as previsões de produção e vendas em 2020. O tombo nos emplacamentos, antes calculado em 40% na comparação com 2019, agora é estimado em 31%.
Na produção, a expectativa de retração passou de 45% para 35%. Pelo cálculo, 1,92 milhões de carros de passeio, comerciais leves, ônibus e caminhões devem ser montados neste ano.
Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, afirma que a entidade optou pela cautela. Ele lembra que, apesar da melhora atual, o otimismo do início do ano havia se convertido em um momento dramático no segundo trimestre.
“Apesar da revisão, ainda assim é uma queda substancial, havia um planejamento inicial de se produzir 3,16 milhões de veículos em 2020. Entendemos que será uma recuperação longa, como acontece na esfera histórica da indústria automobilística”, diz Moraes.
Apesar de a mudança no prognóstico mostrar que a recuperação tem sido melhor que a esperada, a sobreposição de crises nossa últimos seis anos, as diferenças regionais e a relação fria com o governo abalam um setor cuja cadeia envolve 1 milhão de trabalhadores.
De acordo com os dados divulgados pela Anfavea (associação das montadoras), foram produzidos 220,2 mil veículos em setembro na soma de carros de passeio, comerciais leves, ônibus e caminhões. Há alta de 4,4% em relação a agosto.
Em comparação a setembro de 2019, o último mês registra queda de 11% na fabricação. No acumulado do ano, a retração chega a 41,1%. As exportações cresceram 8,5% entre agosto e setembro. No último mês, 36,6 mil veículos foram enviados para o exterior -18 mil unidades desembarcaram na Argentina.
O presidente da Anfavea diz que a alta se deve à regularização da produção e à retomada dos mercados da América Latina, embora todos registrem perdas superiores à 30% nas vendas de automóveis na comparação entre 2020 e 2019.
No acumulado deste ano, a queda nas exportações em 2020 é de 38,6% em relação ao mesmo período do ano passado. Em julho, a Anfavea havia previsto que o segmento cairia 53% na comparação com 2019. Agora acredita que essa redução será de 34%.
As vendas seguem em recuperação, com alta 13,3% entre agosto e setembro. Foram emplacados 207,7 mil veículos no último mês. A comparação entre os dois últimos trimestres mostra que o pior da pandemia ficou para trás no setor automotivo. Foram vendidos 250,7 mil veículos entre abril e junho, número que salta para 565,5 mil de julho a setembro. Foi um crescimento de 125,5%.
Entretanto, a comparação entre os terceiros trimestres de 2019 e de 2019 revela queda de 21,6%. A média diária de vendas ficou em 9.900 unidades em setembro, número considerado muito bom pela Anfavea diante do cenário. São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais representam 52,8% desse volume.
Moraes afirma que as empresas têm ajustado sua produção à demanda, o que explica a estabilidade dos estoques. Há carros suficientes para atender a 20 dias de vendas, número abaixo da média pré-pandemia (por volta de 30 dias).
“Os estoques ficaram muito altos, chegaram a quase quatro meses, as montadoras tiveram que fazer um ajuste e estão se adaptando. A questão do capital de giro têm sido um grande problema para a indústria”, diz o presidente da Anfavea.
A readequação se reflete nos postos de trabalho. O volume de empregados no setor registra queda de 4,5% na comparação entre os meses de setembro de 2019 e de 2020.
Houve uma alta ilusória de 0,2% nas vagas entre agosto e setembro, mas o resultado se deve a contratações pontuais nas empresas ligadas ao agronegócio (fabricantes de caminhões, implementos rodoviários e maquinário agrícola) e à Renault. A montadora teve que reintegrar cerca de 700 funcionários no Paraná após um acordo feito com o sindicato da Grande Curitiba.
A fabricante de origem francesa converteu os cortes em um PDV (programa de demissão voluntária), iniciativa que tem sido regra na indústria automotiva.
A General Motors, por exemplo, estendeu seu PDV, que tem mais uma etapa até o dia 15 deste mês em São Caetano do Sul (Grande São Paulo). Em São José dos Campos (interior de São Paulo), o novo período de adesão irá de 16 a 26. Ao mesmo tempo, medidas de flexibilização do trabalho foram prorrogadas até novembro.
A Volkswagen também segue com seu programa de redução da mão de obra. As japonesas Nissan e Toyota também fizeram cortes neste ano. Moraes diz que há vários PDVs abertos, o que vai se refletir nos dados de emprego nas montadoras. Esses resultados negativos devem aparecer ao longo do último trimestre.
As empresas evitam falar nos cortes que têm sido feitos, mas, pressionadas pela alta dos custos de produção devido à disparada do dólar, já não escondem mais suas insatisfações -inclusive entre elas, como ocorre agora.
Nesta terça, 6, o Senado aprovou a Medida Provisória 987, que prorroga até 2025 os benefícios tributários concedidos a fabricantes instaladas no Centro-Oeste. A medida vai para sanção presidencial.
A região agora se equipara ao Nordeste em incentivos fiscais para o setor, num ciclo de incentivos que começou no fim da década de 1990. As prorrogações têm revoltado representantes das marcas que concentram suas atividades industriais no Sul e no Sudeste.
Roberto Braun, diretor de relações governamentais da Toyota, diz que a extensão das isenções de impostos desestimula investimentos em outros estados. A montadora japonesa tem três fábricas no Brasil, todas no Estado de São Paulo.
Braun afirma que a soma das isenções de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) podem resultar em uma redução de 20% nos custos de produção.
A grupo FCA é um dos beneficiados pelo regime tributário atual. A empresa produz em Goiana (PE) a picape Fiat Toro e os utilitários esportivo Compass e Renegade, ambos da Jeep.
“O regime automotivo do Nordeste é um programa concebido para promover o desenvolvimento regional, pois trata-se de uma região distante dos grandes centros consumidores e também dos centros industriais onde se produzem componentes”, diz Tania Silvestri, diretora da marca Jeep para a América Latina.
Segundo a executiva, o modelo atual de incentivos fiscais ajuda a aumentar a competitividade para as companhias instaladas na região. “A FCA investe de forma consistente para atrair novas empresas e aumentar a cadeia de fornecedores no Nordeste, ajudando a promover o desenvolvimento de toda a indústria automotiva”.
Mas Braun afirma que a prorrogação indeterminada dos incentivos prejudica a concorrência e leva à fuga de investimentos das marcas estabelecidas nas regiões Sul e Sudeste. Ele cita como exemplo o fechamento da fábrica da Ford em São Bernardo do Campo: a montadora concentrou suas atividades fabris em Camaçari (BA), onde produz, desde o início dos anos 2000, os modelos EcoSport e Ka.