EDITORIAL
MANAUS – A afirmação do título acima está ancorada em fato concreto, mas não restrita a ele – o parecer da promotora de Justiça Edna Lima de Souza, em ação ajuizada por dois vereadores contra o aumento do valor da Ceap (Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar) dos vereadores.
Em resumo, a promotora opina que o aumento do valor, de R$ 18 mil para R$ 33 mil, não causa prejuízos à sociedade. No Direito há uma máxima carregada de cinismo segundo a qual todo ato é passível de legalidade ou é possível encontrar brechas na lei para justificar qualquer malfeito.
A análise técnica do processo legislativo que aprovou o aumento do valor da Ceap, e que está sendo questionado pelos vereadores Amom Mandel (Cidadania) e Rodrigo Guedes (Republicanos), não é suficiente para chegar-se a conclusão a que a promotora chegou, ou seja, de que injetar R$ 15 mil na conta bancária de cada vereador mês a mês não causa prejuízos à sociedade.
Essa também não era a tese defendida pelos autores da ação, mas tão somente a forma atropelada como ocorreu a tramitação da matéria na Câmara Municipal de Manaus.
Do ponto de vista legal, os vereadores podem receber o quanto a Câmara Municipal suportar pagar, porque a lei é feita por eles próprios. Mas do ponto de vista da moralidade, a análise precisa considerar o jogo de interesses por trás da decisão dos vereadores.
A Constituição Federal resolveu uma questão semelhante, ou seja, o aumento de salário dos vereadores, estabelecendo que eles só podem fazer isso de uma legislatura para outra, nunca os parlamentares podem aumentar os seus salários depois de assumir o cargo até o término daquele mandato de quatro anos.
A manifestação do Ministério Público do Amazonas, no caso em questão, parece estar embasada nas próprias decisões do MP-AM, que nos últimos anos, mesmo durante a pandemia de Covid-19, não se descuidou de conceder benefícios aos seus próprios membros e de criar cargos comissionados sem a necessidade de realizar concurso público.
Aliás, todos os poderes, a partir do ano passado, passaram a fazer esforço extraordinário para “gastar dinheiro público” sem necessidade, simplesmente para não ter que devolver aos cofres do Tesouro estadual ou municipal.
Em 2021, o Congresso Nacional aprovou e promulgou a Emenda Constitucional n° 109, de 15 de março de 2021, com o seguinte teor que interessa neste caso: “§ 2º O saldo financeiro decorrente dos recursos entregues na forma do caput deste artigo deve ser restituído ao caixa único do Tesouro do ente federativo, ou terá seu valor deduzido das primeiras parcelas duodecimais do exercício seguinte.”
Ou seja, o dinheiro repassado aos demais poderes pelo Poder Executivo e não gasto deve ser devolvido no final do ano. Antes dessa emenda, o dinheiro poderia ficar para o ano seguinte. Agora, ou é gasto naquele ano ou é devolvido.
Essa determinação constitucional gerou uma corrida desenfreada pelos poderes para gastar o dinheiro de qualquer jeito. Entre as medidas adotadas, por exemplo, a Câmara Municipal de Manaus elevou o valor da Ceap, diante da previsão de orçamento mais generoso em 2022. No ano passado, o Tribunal de Justiça do Amazonas pagou R$ 300 mil, em três parcelas de R$ 100 mil, aos seus membros, como abatimento de uma dívida da Parcela Autônoma de Equivalência. Tudo isso foi feito porque estava sobrando dinheiro nos caixas desses poderes.
Diante dessa gastança, o Ministério Público e outros órgãos de controle, tinham o dever de ofício de agir em favor da sociedade. Nada fez, nada fizeram.
No caso do MP-AM há muito tempo essa entidade, que ganhou novo ânimo com a Constituição de 1988, e teve atuação importante em conquistas sociais, agora trabalha de costas para a sociedade. Não se vê mais atuação do MP-AM em questões relevantes de interesse público, como se via em décadas passadas.
A atuação ministerial tem se resumido aos pareceres nos processos judiciais. É muito pouco para uma instituição que custa muito caro ao contribuinte.