Por Nicola Pamplona, da Folhapress
RIO DE JANEIRO – As restrições à operação de barragens de minério após a tragédia de Brumadinho (MG) começam a ter impactos em economias locais. Cidades dependentes das mineradoras já temem fechamento definitivo de minas, perda de arrecadação e corte de empregos.
Considerado o maior desastre ambiental brasileiro, o rompimento da mina da Vale completa dois meses nesta segunda-feira, 25. Equipes de resgate somam 212 mortos e continuam em busca de 93 desaparecidos.
Após a tragédia, autoridades reforçaram a fiscalização de barragens e determinaram a suspensão de operações em diversas minas no estado. A Vale parou minas com capacidade para produzir 82,2 milhões de toneladas por ano. O volume equivale a 20% da produção da mineradora e é todo concentrado em Minas Gerais.
A Itaminas também teve de suspender suas operações em Sarzedo (MG), a 34 quilômetros de Belo Horizonte. Os impactos da crise atingem desde economias locais à balança comercial do país, que tem no ferro um dos principais produtos de exportação. Nas três primeiras semanas de março, o volume exportado caiu 10,5% em relação à média diária de fevereiro.
“Se não voltar isso aqui, eu vou embora. Vou para os Estados Unidos, sei lá, vou catar alguma coisa para fazer. Tenho dois filhos e preciso garantir o sustento deles”, diz o motorista Adriano de Oliveira, 36, morador de Sarzedo (MG).
Ele trabalhava havia três anos para uma terceirizada transportando a produção da Itaminas e recebeu aviso de demissão há cerca de um mês.
Oliveira diz temer que o lugar vire uma cidade fantasma sem as operações.
“O município cresceu em torno da mineração, quase 60 anos em torno dela”, diz o prefeito de Sarzedo, Marcelo Pinheiro (PR). “Difícil ver uma família da região que não tenha vínculo com mineração.”
A paralisação das atividades da Itaminas foi definida pela Justiça até que a empresa ateste a segurança de barragens. No caso da Vale, houve também cortes voluntários de produção para desativar barragens semelhantes à de Brumadinho.
A situação afeta fornecedores e clientes das mineradoras, porque tem levado a empresa a tentar priorizar o exterior. Duas siderúrgicas no Espírito Santo, a CBF e a Santa Bárbara, tiveram problemas para receber o produto.
A primeira chegou a ter a produção interrompida em fevereiro por causa da suspensão no abastecimento. A segunda diz que a Vale vem entregando produto de qualidade diferente do usual, o que gera aumento de custos.
Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos do Espírito Santo, 45% dos trabalhadores da CBF chegaram a receber aviso prévio, mas as entregas foram restabelecidas após ameaças de fechar a ferrovia que leva o minério ao porto de Vitória.
“A empresa tem 33 anos de operação e o único fornecedor que teve foi a Vale, que tem o monopólio do transporte de minério”, diz o sindicalista Roberto Pereira. “Se não tem para o Brasil, também não vai ter para gringo”, afirma.
A preocupação com a suspensão das operações colocou em lados opostos a Amig (Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais) e a Vale, principal fonte de receita para as prefeituras dependentes do setor.
“Não sabemos se daqui a 60 dias vamos ter nem sequer a Cfem [contribuição financeira pela exploração de recursos minerais, espécie de royalties]”, diz o consultor da associação Waldir Salvador. Das 20 cidades brasileiras com orçamento mais dependente dos royalties da mineração, 13 ficam em Minas Gerais.
Sarzedo já sente o buraco no caixa. “Nós já não recebemos os royalties [de dezembro da Itaminas], e isso vai impactar muito a prefeitura”, afirma Pinheiro.
Pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) calculam que o corte de 40 milhões de toneladas de minério pode reduzir no curto prazo em 0,47% o PIB (Produto Interno Bruto) do estado e em R$ 575 milhões a arrecadação.
O estudo considera apenas o corte de produção voluntário anunciado pela Vale. Pela simulação projetada no estudo, nos próximos dois a três anos, o estado deixaria de gerar 15 mil empregos. A Vale diz que não vai demitir.
Para uma das autoras do estudo, os municípios podem começar a sentir efeitos na oferta de serviços público. “Ainda mais em um momento de crise fiscal do estado de Minas Gerais”, diz Débora Freire.
A Amig estima que a paralisação definitiva de 40 milhões de toneladas pode afetar 65 mil empregos diretos e indiretos e ter impacto negativo de R$ 7,7 bilhões na balança comercial. Procurada, a Vale não quis dar entrevista. Itaminas e CBF não retornaram aos pedidos de informações.
ECONOMIA DIVERSIFICADA
Especialistas e autoridades locais concordam sobre a necessidade de reforçar a segurança das barragens de minério após dois desastres ambientais em pouco mais de três anos -no fim de 2015, uma barragem da Samarco em Mariana (MG) se rompeu matando 19 pessoas e deixando um rastro de lama até o litoral do Espírito Santo.
Eles pedem, porém, coordenação entre o setor e governos federal e estaduais para impedir os impactos econômicos. “A coisa está sem rumo, sem liderança. Quem é que está discutindo isso a bem do país?”, diz Waldir Salvador, consultor da Amig.
“A empresa tem de dar segurança, tem de dar toda a tranquilidade à população com a barragem, mas também não podemos criminalizar a atividade minerária, porque crescemos em torno da mineração”, diz Marcelo Pinheiro.
A nota técnica de especialistas da UFMG reforça a necessidade de diversificação das economias locais para enfrentar a atual dependência do minério de ferro nas cidades. Salvador propõe como alternativa um fundo com recursos dos royalties para investimento em outras atividades econômicas.
Após o rompimento em Brumadinho, a ANM (Agência Nacional de Mineração) apresentou mudanças na regulação para eliminar as barragens com alteamento a montante até, no máximo, 2023.
Consulta pública sobre as novas regras foi encerrada na semana passada e recebeu 51 contribuições. A agência agora vai compilar as sugestões para finalizar o processo.
A Vale recebeu autorização para retornar as operações na mina de Brucutu, sua maior operação no estado, mas teve de interromper as operações na mina de Alegria. O volume de produção suspenso passará a ser de 62,8 milhões de toneladas a partir desta semana.