SÃO PAULO – O plano era conter o aumento da temperatura do planeta em 2°C, mas as propostas de redução das emissões de gases de efeito estufa apresentadas por mais de uma centena de países até a quinta-feira, 1°, colocam a Terra no rumo de algo entre 2,7°C a 3,5°C, podendo ultrapassar 4°C até 2100.
Essa é a análise que dois grupos de pesquisa da Europa e dos Estados Unidos fizeram com base nas chamadas INDCs, conjunto de compromissos que os 195 países integrantes da Convenção do Clima das Nações Unidas foram convidados a apresentar como contribuição para a conferência que acontece em Paris em dezembro.
O prazo para a entrega desses dados era quinta-feira. Até as 23 horas, 120 nações, representando cerca de 85% das emissões do planeta, apresentaram suas metas. O fato de tantos países terem tomado essa atitude é considerado positivo, porque mostra um compromisso de agir para combater o aquecimento global, mas ainda está aquém do necessário para evitar um futuro de mudanças climáticas mais severas. Dependendo do cálculo, pode-se ter uma redução mínima de emissões até 2030.
“Um mundo acima de 3°C pode ter extinção de no mínimo 15% de todas as espécies vivas do planeta. Acima de 3,5°C cria enormes dificuldades para a agricultura de cereais no Brasil. Os extremos vão ocorrer com mais frequência e talvez com mais intensidade. É uma grande mudança climática”, comenta Carlos Nobre, um dos principais climatologistas do Brasil.
Justificativa
O “calcanhar de Aquiles” passa a ser China e Índia. A China só tinha dito que vai alcançar o pico de suas emissões daqui a 15 anos. Já a Índia, um dos últimos países a apresentar sua proposta, se comprometeu ontem a reduzir a intensidade de emissões por PIB em 33% a 35% até 2030, com base nos níveis de 2005.
Isso significa reduzir a quantidade de CO2 que é emitida por unidade de PIB gerada. Mas analisando outros dados que o país menciona no documento, como um aumento da população de 1,2 bilhão de pessoas em 2014 para 1,5 bilhão em 2015, e um aumento do PIB per capita de US$ 1.408 para US$ 4.205, as emissões podem ser muito mais altas que as atuais.
A conversão das metas em temperatura foi feita pelo programa Climate Action Tracker, composto por instituições europeias como o Instituto Potsdam para Pesquisa sobre Impactos Climáticos, e pelo Climate Interactive, com pesquisadores da Escola Sloan de Administração do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
O primeiro chegou ao valor de 2,7°C, com base na análise das metas apresentadas por 19 países, que representam 71% das emissões do planeta. Eles fizeram o cálculo antes de a Índia (que aumenta a representatividade para 84% das emissões) apresentar seus dados e trabalharam com uma estimativa de que a meta do país seria reduzir entre 35% e 45% a intensidade de carbono por PIB.
Já o Climate Interactive estima que o aumento da temperatura pode ser de 3,5°C, com uma margem de incerteza que vai de 2,1 °C a 4,6°C.
Brasil é criticado
A proposta que o governo brasileiro apresentou no domingo, 27, de reduzir suas emissões em 37% em 2025 e em 43% em 2030, de acordo com os níveis de 2005, carece de mais detalhes para explicar exatamente como ela vai ser cumprida. Essa é a análise que alguns ambientalistas e cientistas estão fazendo após examinarem com mais cuidado o documento que traz as metas.
A presidente Dilma apresentou as informações principais em discurso na ONU, em Nova York, no domingo, mas o documento completo só foi conhecido na segunda-feira.
Não está muito claro, por exemplo, como serão algumas ações em relação ao combate ao desmatamento e à recuperação e reflorestamento de 12 milhões de hectares.
“As metas gerais são ambiciosas, mas com planos de ação ao menos no setor de florestas fracos”, afirma Britaldo Soares, pesquisador do Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais e uma das autoridades em mudança do uso da terra – o termo técnico para falar sobre desmatamento.
Ele pede que o governo abra a planilha de cálculos que foram feitos para estimar como é possível com essas ações chegar à redução de emissões estabelecida. O governo federal considera que o que é emitido com desmatamento é descontado pela absorção de CO2 pelas florestas protegidas em unidades de conservação e terras indígenas.
“Mas a Amazônia teve duas grandes secas, em 2005 e 2010, e nesse cenário acaba se emitindo carbono, porque as árvores morrem. Isso tem de entrar na conta”, argumenta.
O Observatório do Clima, coalizão brasileira com mais de 30 organizações da sociedade civil, considera que o Brasil chega à Conferência do Clima de Paris em dezembro com boas cartas para iniciar as discussões. “Mas é pouco para o acordo final. Se todos os países ficassem no nível do brasileiro ainda assim estaríamos longe da meta dos 2°C. Isso deveria ser o piso de ambição do Brasil, mas para o acordo final precisamos de maior ambição de todos”, afirma Carlos Rittl, secretário executivo do observatório.
Ele concorda que é preciso mais transparência no detalhamento de como as propostas para cada setor serão cumpridas. “As contas têm de ser abertas com toda a sociedade, até para que possamos analisar nossas capacidades”, diz. Ele pede a abertura de um conjunto de estudos chamado “Opções de Mitigação”, encomendado pelo Ministério da Ciência para ajudar na construção da meta e que está guardado sob sigilo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
(Estadão Conteúdo/ATUAL)